No. 3 — Novembro, 2023.
O começo
Quem tem a generosidade de aparecer por aqui hoje é uma empreendedora que não teve nem tempo de ver o fracasso chegar, processá-lo e recompôr-se com um pouco de calmaria. Mariana Oliveira é co-fundadora da WonderSize, marca plus size que bateu de frente com o status quo atrasado e padrão da indústria da moda. Esteve à frente do negócio por quatro anos. À frente não, nos bastidores. E agora é que a história começa.
Mari apresentando a Wonder para os ‘tubarões’. Imagem: divulgação Shark Tank Brasil
Quando era tudo verdade
Brás, São Paulo, 10 de março de 2020.
Se você produz vestuário no país, O Brás é sua meca. Se você é dona de uma loja de moda no interior, também. Ali, o que centenas de marcas produzem ou importam só chega nas casas de Norte a Sul porque, nos anos 70, este bairro passou a ser o centro nacional de comércio e confecção de roupas.
E isso ainda é verdade em 2023. O faturamento anual estimado das 55 ruas comerciais, mais de 15 mil estabelecimentos e 400 mil pessoas circulando - por dia - é de R$ 12 bilhões, de acordo com a ALOBrás.
Para uma marca de nicho, enfrentando as dores e desafios do crescimento, não é tão simples estabelecer-se nesta região. Mas a Wondersize tinha uma empreendedora determinada a chegar tão longe quanto possível.
Estavam prestes a entrar na próxima turma do Scale Up da Endeavor, principal programa de empreendedorismo do país. Mas Mari seguia inquieta. Sim, muitas portas se abririam. Mas porque esperar se as oportunidades não param?
Foi quando se inscreveu no Startup Fashion, programa de aceleração do Mega Polo, o maior shopping de moda atacado da América Latina, e foi selecionada. O prêmio?
Um ano de aluguel de loja. Tudo pago. Além de mentorias e consultorias em diversas áreas, de vitrinismo a jurídico.
Ali, sentiu que realmente poderia mudar o jogo e ganhar o mundo: a capilaridade dos produtos teria um aumento exponencial. Ia além, pensando em franquias e tinha certeza que nada pararia os planos:
“Eu imaginava aquela loja, aquela rua, cheias de mulheres gordas. Eu visualizava essas mulheres por todo o lado, felizes com seus corpos e ainda mais empoderadas com as roupas que a gente estava fazendo.”
A WonderSize nasceu em 2017 com a missão de levar informação de moda para corpos que vestem do 42 ao 70. Imagem: reprodução Instagram.
Se você notou a data do início deste capítulo, já sabe do que estou falando.
Infelizmente, a loja inaugurou em março e ficou aberta por uma semana. Todo o sonho e planejamento de uma operação no Brás viraram pó da noite para o dia.
Mari, mãe solo de uma criança atípica, não teria muito tempo para recalcular a rota.
O lado invisível da coisa
Mari mergulhou de cabeça no projeto a convite da fundadora e sua melhor amiga de infância. Sua experiência como consultora de marketing na Ernest & Young traria muito valor.
Levantei a bandeira do empoderamento e empreendedorismo feminino e nosso branding era bem revolucionário para a época. Ganhávamos muita mídia espontânea, impulsionando ainda mais o crescimento.
No dia a dia, era responsavel por marketing, conteúdo, pitches, programas e parcerias, vendas e gerenciamento de comunidade. Sempre nos bastidores. No auge, fazia jornada tripla de trabalho. Manhã e tarde na EY coordenando uma equipe de 12 pessoas. Até as 3 da manhã em terceiro (ou quarto?!) turno, fazendo textos, artes e campanhas.
Quando estava chegando lá
Nos quatro anos que esteve na operação, muitos momentos trouxeram a certeza que estava chegando lá. Estiveram também no SEBRAE, Rede Mulher Empreendedora e receberam 2 prêmios de inovação da indústria esportiva.
Em setembro de 2019, tornaram-se a primeira marca plus size a ser vendida na Centauro. O ano encerrou com um faturamento recorde de R$ 1,5Mi.
Mas, sem dúvida, um dos indicadores mais fortes foram quando receberam três, T-R-Ê-S, ofertas no Shark Tank Brasil. Imagina se colocar à prova num programa de TV e os investidores brigarem para terem sua empresa no portfólio?
Mari sentia-se extremamente realizada, motivada e feliz. Impactando sociedade e ganhando espaço no ecossistema que sempre sonhou em fazer parte, ao lado de outras mulheres empreendedoras.
Parando no meio do caminho
A pandemia levou a uma parada abrupta, seca. Uma sensação de atropelamento, de não ver as coisas chegarem. E, com a visibilidade meio embaçada, a pressão de tomar uma decisão “segura”.
Mari não estava a par de importantes fatos que não só impactariam o futuro da empresa como poderiam comprometer o dela. Quando tomou conhecimento e precisava decidir arriscar-se ou não, as discordâncias escalaram. Pouco diálogo e abertura para recalcular a rota apontavam uma única saída: abrir mão do sonho de seguir levando a Wondersize a patamares nunca alcançados.
Há duas formas de narrar como foi o processo:
A empreendedora de propósito
Um de seus maiores orgulhos era criar uma empresa que empoderava clientes e contribuia para que milhares de mulheres gordas contassem novas histórias sobre como se viam no mundo. Perder este propósito também tirou seu norte.
Quando tudo acabou, só conseguia se enxergar incompetente, incapaz de tudo. Sentia vergonha e que este universo não era mais para ela.
“O que eu iria agregar?”, pensava.
A empreendedora mãe solo
Após sair de uma renomada consultoria para um salário simbólico (comum aos empreendedores que estão dando tudo para ‘chegar lá’), Mari viu-se sem emprego e sem poder esperar.
O filho pequeno e atípico requeria muitos cuidados, e qualquer sentimento pessoal ficou em segundo plano. Num pequeno intervalo de tempo, também se separou e fez uma cirgurgia na coluna: 22 pinos para curar uma lesão agravada pelo excesso de trabalho.
“Como faz para acordar todos os dias?”, perguntava-se; sem tempo humanamente hábil para respirar e agir.
Era hora de seguir lutando.
Os aprendizados
O que você faria diferente da próxima vez?
Apareça. Mari se arrepende de ter ficado muito nos bastidores e perdido oportunidades de visibilidade, conexões e de criar suas próprias narrativas. Quando tudo acabou, recomeçar do zero foi ainda mais complexo.
“Acabei de ler a biografia do Stevie Ozniack, e dadas as devidas proporções, claro, entendi que eu fui para a empresa o que ele foi para a Apple. Trazia segurança e estabilidade, o lado racional da operação. Um pilar fundamental, mas escondido dos holofotes.”
O que faria tudo de novo?
Foco em criar propósito e comunidade. Acreditar que mulheres levam outras ainda mais longe e fortalecer estes laços foram os maiores acertos. Tanto com as clientes e seguidoras; quanto com outras empreendedoras.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
Não se aloque em silos. Mari ficava tranquila quando escutava que deveria focar em sua área e não se apegar a detalhes. Por não estar a par de decisões relevantes, foi pega de surpresa.
Otimismo x racionalidade. Escolher ser otimista é importante para conseguir enfrentar os desafios do dia a dia. Mas se a racionalidade é deixada de lado; cria-se um ponto cego de que cenários difíceis não vão acontecer. Se acontecem, você não está preparada.
Se responsabilize. Faz parte do aprendizado entender o que é fator externo e o que você pode interferir. “Meu maior erro foi não ter prestado atenção. Quanto mais cedo eu aceitar e me responsabilizar pela minha parte, mais rápido consigo me perdoar e seguir em frente”.
Busque ativamente qualquer oportunidade. A empresa chegou a lugares inimagináveis e ganhou muita mídia espontânea porque Mari desenhou muito bem esta estratégia.
Não sinta vergonha.“A gente vê por aí um selo de qualidade de ‘fracassei ou fali porque arrisquei’; que geralmente vem de quem tem suporte familiar por trás. Se você precisa lutar pela sobrevivência, se torna uma vergonha.”
O depois
“Não tive o tempo de viver o luto, o estou fazendo agora. Inclusive enquanto converso com você e revivo as coisas”
Enquanto faz essa afirmação, Mari fala com entusiasmo e um sorriso no rosto. Tem certeza da sua força, coragem e o quanto consegue se virar para fazer as coisas acontecerem.
Passou por tempor difíceis e muito solitários. Mas foi trocando com algumas pessoas com histórias parecidas que encontrou inspiração para abrir novos caminhos. Trabalha remoto para uma startup americana, à frente de toda a operação no Brasil. O bom salário é um lembrete do quanto foram essas experiências que a fizeram virar o jogo e hoje respirar um pouco mais aliviada.
Conecte-se com Mariana no Instagram e LinkedIn. Assista o episódio do Shark Tank no link.
Obrigada pela generosidade em contar sua história. E obrigada a quem leu até aqui. :)
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
Nati.
🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Pare de ouvir conselhos de pessoas extremamente bem-sucedidas. Reflexão pé no chão sobre focar no que realmente importa. 🙉
Mulheres, mercado de trabalho e a indústria não remunerada do cuidado. Esta conversa precisa de todos nós. 🫱🏼🫲🏾
Otimismo conservador para o cenário de inovação na América Latina, de cordo com o LatAm Tech Report. 📈
A Academia Brasileira de Ciências fez um guia com suas recomendações sobre o avanço da IA no país. 🧠
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