Bike sharing que não chegou lá
História de uma marca local cheia de propósito que bateu de frente com os milionários players do setor.
No. 7 — Fevereiro, 2024.
Acompanhei um pouco a história da Loop quando, em 2017, compartilhamos o mesmo coworking público da Prefeitura de Porto Alegre. Era fã da iniciativa e do propósito claro e determinado dos fundadores. Contar ela aqui é um tanto agridoce.
O começo
Ricardo Pierozan é consultor, facilitador e mentor de desenvolvimento e cultura organizacional, inovação e sustentabilidade. Em 2015, co-fundou a Loop, startup de bikes compartilhadas em Porto Alegre/RS. Tinha o sonho de revolucionar a mobilidade urbana e seguia firme em seu propósito mesmo com grandes players dominando o setor… até não dar mais para frear este avanço. Os bastidores de como foi esta jornada você confere agora. Boa leitura!
As bikes da Loop eram batizadas pela comunidade com nomes fofinhos como Pomposa e Margot. Imagem: reprodução Facebook.
Quando era tudo verdade
Porto Alegre, 19 de novembro de 2017.
O dia impulsionava a virada de uma jovem startup com o propósito de revolucionar o panorama da mobilidade urbana. A visão era ambiciosa: introduzir um meio de transporte mais sustentável, fomentar a economia colaborativa e conectar pessoas através de bicicletas espalhadas pela cidade.
Após dois anos estrutando a operação da Loop de forma bem experimental, os 4 sócios usaram um investimento-anjo recém captado para esta guinada.
De bicicletas usadas que iam coletando aos poucos para uma frota própria de 20 unidades. A qualidade superior a dos concorrentes e uma comunidade de fãs altamente engajados fortaleciam cada dia mais este - até então pequeno - negócio local.
Um salto e tanto pra quem começou de forma muito, muito mão na massa.
“Nosso MVP foi literalmente olhando para várias bicicletas paradas pela cidade e pensando: “elas precisam ter uma utilidade maior”. E assim, coletamos as primeiras, distribuímos em pontos estratégicos e criamos um grupo no Whatsapp.”
Na prática, como funcionava?
Os usuários pagavam uma taxa simbólica de R$ 20 para entrar no grupo. Quando solicitavam uma bici, os sócios localizavam a mais próxima e enviavam a senha do cadeado. Só que volta e meia a bike não estava lá e a solução era ágil: algum deles saía correndo ou pedalando até qualquer canto da cidade, realizando uma logística em tempo real.
Agora, a coisa estava bem mais profissional.
Nova marca e mais tecnologia
Tudo era automatizado através de um app, numa experiência fácil e intuitiva. O usuário logava, localizava as estações mais próximas - os Loopoints, e reservava a bike por até 10 minutos. Chegando lá, era só destravar o cadeado e pedalar.
“A gente aumentou a frota e as bicis eram de muita qualidade. Desenvolvemos também software próprio para o app. Foi um enorme salto. Aquilo pareceu sim nosso ponto de virada; o auge”.
A mudança foi também no nome. Até então eram a WeBike, mas com o aumento da exposição, descobriram que já estava registrada.
O medo inicial de perder a lembrança que já tinham conquistado logo desapareceu. A fiel base de fãs apoiou e, rapidamente, o novo nome pegou.
O rebranding trazia outras novidades alinhadas ao propósito. Todos os pontos de contato com os clientes - que a essa altura estavam mais para bons amigos, tamanha a proximidade e o senso de comunidade que criaram - foram pensados de forma muito intencional.
As cestinhas eram de material reciclado de garrafa pet; parceria com uma cooperativa que empoderava artesãs locais. A nova frota ganhou número e nome próprio, batizado pelos próprios usuários. Você encontraria fácil a Pomposa, a Anatolly ou a Margot pelas ruas da capital.
“A nova marca acabou sendo uma construção colaborativa. A comunidade participava ativamente de várias decisões. Isso aproximou ainda mais do público e aumentava ainda mais o carinho que as pessoas tinham pela Loop.”
As cestinha eram feitas com tecido de garrafa pet, em parceria com uma marca sustentável que emprega costureiras de comunicades locais. Imagem: reprodução Facebook.
Olhavam com orgulho para a trajetória - e também audácia - de bater de frente com “gente grande”, como o maior concorrente que administrava as bikes do famoso banco laranja.
Até então, estavam conseguindo!
Aproximadamente um ano depois Ricardo saía da operação. Como isso aconteceu?
A gente acompanha a seguir.
Como a Loop surgiu e um pouco dos bastidores
Ricardo sempre esteve mergulhado no universo de sustentabilidade e impacto social. Temas que pesquisava durante a faculdade e colocava em prática organizando desafios empreendedores na UFRGS.
Numa das edições, chamou os amigos e, em setembro de 2015, o primeiro protótipo da Loop surgiu.
“Éramos jovens idealistas, sem nenhuma experiência de negócio mas com o sonho de resolver grandes problemas. A gente queria chegar lá.”
Desde o início, apostavam na qualidade como diferencial. Queriam bicicletas melhores, mais robustas e confortáveis.
“Os concorrentes tinham falhas de serviço, bikes com qualidade bem inferior e usuários frustrados por um atendimento ruim - mas ainda eram a referência por maior cobertura, sistema e distribuição. Era difícil de concorrer com o pesado investimento que recebiam.”
A Loop apostava em qualidade superior e um atendimento próximo, criando uma comunidade de fãs engajados. Imagem: Reprodução Facebook.
A determinação pela qualidade rendeu alguns tropeços pelo caminho. Teve uma época que queriam produzir o próprio cadeado - mais tecnológico e integrado por bluetooth. Depois de um bom tempo criando protótipos, desistiram da ideia e importam um suficientemente bom dos EUA.
Os clientes da Loop estavam satisfeitos e usar o serviço era muito fácil e intuitivo. A Loop tinha dois tipos de planos, diário por R$7,90 e mensal, de R$19,90 - ambos com viagens ilimitadas de até duas horas e R$ 3,50 a hora excedente.
Mas da porta pra dentro, os custos acompanhavam o crescimento e a manutenção da frota. O caixa continuava curto e baratear a operação era muito difícil.
Os valores não eram suficientes para chegar num ponto de equilíbrio. A maior parte dos assinantes eram jovens estudantes, o que inviabilizava um aumento expressivo de preço. Pra equilibrar as contas, o pró-labore dos sócios era praticamente inexistente.
“Precisávamos urgente de mais bicis na rua. A maior parte dos investimentos de 2017 foi nisso e, mesmo assim, a coisa não escalava como desejado. Depois, chegamos a 40 unidades; mas sempre com algumas em manutenção, quebradas ou, infelizmente, roubadas. Também faltava gente pra ajudar com a loucura do dia a dia.”
O dia a dia de uma árdua operação
Todas as noites, sete dias na semana, os sócios tinham a trabalhosa tarefa de recolher a frota inteira - somente para redistribuir nas primeira horas do dia seguinte.
O objetivo era deixar as bikes nos pontos de maior demanda do público e também evitar roubos. A perda de uma única unidade representava um considerável impacto no já curto caixa da Loop, e evitar tal infortúnio tornou-se uma batalha constante.
Diante da necessidade de motoristas para o ritual noturno, Ricardo tomou uma decisão inusitada: tirar a carteira de motorista. Defensor inveterado das bicicletas, dirigir um carro não fazia parte dos seus planos até então.
Quem tá na luta pra crescer seu negócio se adapta, é criativo e encontra soluções práticas e acessíveis. É quase intuitivo virar alguém extremamente flexível.
E foi assim que, no mesmo dia em que tirou a carteira, já estava ao volante do reboque pronto para recolher a frota.
"Aprendi a dirigir em tempo recorde - e bem! Não poderia arriscar perder 1 centavo caso eu fosse descuidado", revela.
A equipe também buscava atenuar os riscos dos roubos estabelecendo parcerias com locais mais seguros. Mas a persistência em arrancar os cadeados elevavam consideravelmente a conta final de toda essa manutenção.
O trabalho prosseguia incansável, mas a exaustão começava a bater.
Parando no meio do caminho
Sem os milhões de reais em caixa que nem a concorrência
O que eles já sabiam só se intensificou com a expansão da frota: era muito caro prestar todo esse serviço.
2018 começou com uma corrida contra o tempo porque a grana estava acabando. Já tinham três estagiários, mas ainda operavam sem pró-labore. Apostavam tudo no crescimento da empresa.
O modelo de negócio que dava resultado não era o B2C - as vendas diretas ao consumidor final. Precisavam seguir a cartilha dos líderes: patrocínio de empresas, publicidade e parcerias com órgãos públicos.
Era hora de assumir uma postura mais agressiva. Ir para o ‘tudo ou nada’.
Na conta, meses de reuniões, planos exclusivos, projetos culturais e licitações. Com a expertise acumulada, tentaram também vender para outras cidades e estados.
Os obstáculos resistiam. Nada parecia progredir como esperado.
Era preciso injetar capital
O novo passo foi um plano estratégico para operar por mais dois anos, em Porto Alegre e outras duas cidades. Uma delas era Gramado - principal destino turístico do Estado.
Buscavam R$2 milhões. Parecia um salto bem audacioso para os padrões da Loop, mas completamente distante da realidade dos grandes players.
Para dar perspectiva à história do quanto precisa para manter e crescer uma operação deste porte, destaco os dois principais concorrentes na época:
- BikePoa, operado pela TemBici. Fundada em 2010, líder em diversas capitais brasileiras e presente também em Buenos Aires e Santiago. Em 2020 captou 244 milhões de reais, em 2021, R$ 420 milhões, e em 2023, R$ 160 milhões do BNDES para seguir a expansão nacional*.
- Yellow captou aproximadamente R$ 310 milhões. Em fevereiro de 2019 chegou a Porto Alegre com um investimento pesado em mídia. As operações encerraram apenas 10 meses depois.
Cenários como este da foto ainda são comuns ao redor do país. Iniciativas pautadas na sustentabilidade viraram um imenso lixo a céu aberto ao perceberem que a operação não iria se pagar**.
Cemitério de bikes da Yellow no centro de Curitiba. Infelizmente, cenários como esse são comuns ao redor do mundo. Foto: Hedeson Alves, reprodução Tribuna do Paraná.
A Loop apostou em crowdfunding e a captação passou por várias fases e rodadas de conversa, sem fechar o valor desejado.
O propósito forte de transformar o meio de transporte nas cidades virou também parte do problema; agora um tanto banalizado pela grande necessidade de capital para rodar a operação.
Ao final de 2018, um clima tenso começava a acompanhar Ricardo. A falta de validação do mercado deu lugar a muitas incertezas e o emocional começou a pesar.
A relação com os investidores também ficava mais complexa. Aquela gás inicial, com uma certa ingenuidade de transformar as coisas, foi substituída por uma narrativa de pressão e envolvimento excessivo para influenciar decisões.
Nem sempre a visão estratégica batia e uma cobrança por ações mais enérgicas virou rotina. O estresse e preocupação começaram a desgastar a relação e foram fatores determinantes para Ricardo sair da operação.
Os sócios seguiram por mais um ano e em setembro de 2019, as bikes da Loop fizeram suas últimas viagens.
Os aprendizados
O que você faria diferente se fosse recomeçar hoje?
Algo menos físico e complexo. Uma operação enxuta e com menos necessidade de capital de giro, com pelo menos uma pessoa com domínio do mercado. Ter know-how do core do negócio é primordial.
O que faria igual?
Empreender em algo que fizesse sentido. Ao longo da jornada é difícil manter o mesmo nível de energia: precisa ter paixão ter gás e motivação. Ricardo não abandonaria tudo para se jogar em um novo projeto só por uma oportunidade de mercado.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
É preciso ter ciência de operações muito intensivas, com necessidades de muito investimento inicial e capital de giro. A Loop exigia uma extensa logística, contínua manutenção e permanente compra equipamentos e os sócios foram aprendendo no meio do caminho.
Não saber priorizar custa caro. Em alguns momentou faltou direção para focar no que traria mais impacto. A falta de clareza cobrou o preço depois.
Nem sempre inovar é o caminho. Na ambição de desenvolver o próprio cadeado, gastaram mais energia, tempo e recurso do que fazia sentido. Aceitar e tomar uma decisão suficientemente boa veio um pouco tarde.
Entenda cada momento do seu negócio e capacite quem decide a evoluir junto com os desafios. A empresa passou por diversas fases e às vezes as decisões não acompanhavam a necessidade de cada uma delas.
Fale a língua dos seus investidores. Nem sempre os sócios estavam alinhados com os investidores, escoando tempo e energia em negociações.
O depois
“Empreender é uma jornada delirante e desafiadora”
Parar no meio do caminho não foi simples para Ricardo. É humanamente frustrante dedicar tanto tempo, energia, horas de trabalho e vida num sonho em potencial que não aconteceu como o desejado.
“Teve um período difícil de falar sobre e depois um tempo em que era preciso falar sobre… falta história de vida real por que o que as redes sociais expõem passa longe de ser a realidade da maioria dos empreendedores”.
Hoje, troca experiências também como forma de processar e não ficar “preso ao fracasso”. Também não gosta muito da palavra, como se trouxesse uma conotação negativa, uma quebra de expectativa, de erro - o que nem sempre é a verdade. A jornada foi muito rica e motivo de orgulho pelas conquistas, coragem e resiliência.
O luto pela despedida do projeto foi difícil. Eventualmente a tristeza e frustração deram lugar a um alívio, um pouco misturado com pesar.
O Ricardo voltou a ser consultor, pesquisador e facilitador. Encontrou mais equilíbrio, qualidade de vida e uma fonte de renda mais estável.
Acompanhe o empreendedor no Linkedin.
Obrigada por contar sua história e inspirar outras pessoas!
O empreendedor Ricardo Pierozan. Imagem: Linkedin.
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história, em 29.02.24.
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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* A TemBici também captou em 2019, mas não encontrei dados concretos sobre valores.
** Troco o ponto de vista de contadora de história e narradora imparcial para assumir também o papel de consumidora.
Foi um pouco indignante pesquisar mais sobre o mercado da época e ver o quanto algumas empresas somente queimaram dinheiro em poucos meses de operação, deixando para trás pouco ou nenhum impacto positivo para as cidades e a população. Custava doar essas bicicletas todas, minha gente?