O Fracasso n’O Amor
História de uma das fundadoras d'O Amor é Simples, que não chegou lá.
No. 1 — Novembro, 2023
Esta é a primeira edição da FailWise. Minha história como uma das fundadoras d’O Amor é Simples (2014-2022) corta, neste momento, uma imaginária fita vermelha e… voilá! Estamos inauguradas.
O começo
O Amor é Simples foi uma marca de vestidos de noiva que revolucionou a indústria de casamento e a forma como as noivas brasileiras compravam seus vestidos. Modelos bonitos, confortáveis, baratos, com a entrega rápida. Venda online, em loja física e temporárias em todo o país. Uma empresa 100% feminina, que empoderava a cadeia inteira, das costureiras à cliente final. Destaque nos principais canais de mídia como Shark Tank, Ana Maria Braga, Exame e PEGN. Decorações com o slogan ‘Case como Quiser’ e depoimentos apaixonados eram comuns. Tudo isso ainda pode ser visto no nosso Instagram. Com o impacto da pandemia, fechou.
Imagem da coleção Volar, onde fiz direção criativa tanto das fotos quanto do conceito.
Quando era tudo verdade
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2018.
Seria uma segunda-feira quase qualquer, não fosse pelo milhômetro quase vazio - um quadro improvisado que virou a estrela daquele pequeno espaço. Nosso escritório era composto de uma enorme quantidade de itens doados e um punhado de coisas construídas por nós, amigos e familiares. Das mesas à ao piso de madeira do pátio externo; das cortinas que separavam o showroom ao papel de parede criado por mim e colado a várias mão para disfarçar a infiltração. O que poderia parecer uma sustentabilidade forçada era apenas a falta de grana. Uma criatividade meio compulsória tornava um pouco mais confortável o lugar em que onze pessoas trabalhavam. Onde dava para economizar uns pilas, sobrava mais pra marketing, produto, programadores ou nomeie uma das múltiplas frentes que um negócio que tá começando tem de sobra. Ou de falta.
O milhômetro era um mural feito à mão com retalho de tecido preto. A mesma linha branca que costurava bainhas formava pequenos quadrados e seu conteúdo eram apenas post-its que ganhamos de brinde. Esses papeizinhos em formato de rostos humanos valiam dinheiro. Os azuis simbolizavam R$500 e os de cor rosa, R$1.000. A cada venda, a gente ia lá arrancá-los, celebrando de forma tão genuína e empolgada que faria uma jornalista da Forbes escrever um ótimo artigo motivacional sobre liderança feminina.
Poucos dias depois, o quadro vazio entregava um feito histórico impensável até maio daquele ano: fechamos 2018 faturando mais de 1 milhão de reais.
Absolutamente o mundo ao nosso redor celebrava junto, apostava e também se espantava, ao ver ali materializado:
uma empresa de apenas 4 anos.
2 deles um projeto paralelo, tocado de noite e finais de semana.
fundada com praticamente nenhum dinheiro, contatos e experiência.
triplicando seu faturamento a cada ano.
construindo uma marca amada, coerente e poderosa que não parava de crescer.
Imagem de um dos materiais institucionais.
Tinha certeza que era daí pra cima: a gente estava chegando lá. Eu era parte de algo revolucionário e continuava apostando mais e mais alto; dando tudo. O Amor é Simples vinha antes de mim. Minha existência se entrecruzava com uma marca cada dia mais sólida que co-criava com toda minha capacidade, inteligência e coração.
Até tudo acabar.
Eu não era uma pessoa com um trabalho e uma vida fora dele - era tudo uma coisa só. Isso é importante pra dar perspectiva à história. Quando perdi, perdi tudo.
Quando tudo acabou, eu não sabia quem eu era e me anular completamente foi um dos maiores erros.
Quem eu era e o que sobrava se minha identidade passou a ser a Natalia d’O Amor é Simples?
O meu fracasso n’O Amor
Não é à toa que uso esta sutil licença poética para iniciar esta newsletter sobre fracasso - que carinhosamente chamo de um projeto literário sobre negócios. Ironicamente ou não, meu coração nunca foi tão partido como quando eu fiquei pelo meio do caminho.
De maneira magistral, estratrosférica e ingenuamente inimaginável, eu fracassei. Também estava doente e isso piorou tudo - neste post eu conto como andava minha vida 3 anos atrás; quando o fracasso entrava na sala.
Aqui fiz uma espécie de prólogo sobre a motivação desta newsletter e porque acho importante falar sobre. Só há fracasso porque uma alma corajosa foi lá e fez. E isso é grandioso em suas mais diversas formas.
O que eu fazia
Era responsárel pelas áreas de conteúdo, branding, vendas e parte do marketing. No auge, falava com mais de 1.000 noivas no whats por mês, enquanto criava pelo menos 4 conteúdos por dia. Eram comuns as noites de terceiro turno com meu parceiro criando artes e finais de semana atendendo no showroom.
Por muito tempo, também fui a pitch girl1. Rodava o país nos apresentando para investidores. 95% das vezes como a única mulher. 98%, para uma audiência masculina -que queria saber de tudo, menos de casamento. Era bem estranho, pra não entrar em muitos detalhes.
Ganhava pouco - muito pouco - porque reinvestia na empresa e no plano de escalar e ‘mudar o mundo’. Era caótico, mas eu não tinha plano B. Ou não queria ter, pelo menos.
Volar, minha última campanha onde fiz a concepção e direção criativa. Cara gráfica das peças por Fernando Schlickmann.
Quando eu estava chegando lá
Tiveram momentos em que parecia que tudo daria ‘certo’ e estes merecem ser destacados. Recebi importantes prêmios e reconhecimentos como empreendedora que hoje são meu maior orgulho:
Fui selecionada como empreendedora destaque no Ylai2, programa de empreendedorismo criado pelo então presidente Barak Obama e fiz um intercâmbio de 6 semanas nos Eua (Detroit, Washington e Dallas).
Fiz um ‘pitch’ para Richard Branson, um dos meus ídolos de negócios e ouvi que tem muita paixão no que falo.
Fiz um curso de inovação e liderança no MIT, virando case com o sistema de atentimento que eu desenvolvi e resultou em 0 - ZERO - reclamações online em todos os anos em que estive no negócio. Lembrando: éramos as únicas “loucas’ a ter coragem de vender vestido de noiva online.
Também quando:
Fomos para o Shark Tank em 2017, ganhando ainda mais projeção nacional.
Fiz uma mentoria com um empreendedor e inovador muito foda que admiro, o Renato Mendes, e isso virou um investimento-anjo junto com sua esposa Camila Costa.
Parando no meio do caminho
Acabamos o ano de 2019 com uma rodada de crowdfunding que em 15 dias batia a meta e finalmente traria um cenário muito sonhado: dinheiro pra investir e escalar. Vamos nos poupar de detalhes do que aconteceu pouco depois, em março de 2020.
Sei, sabemos, que todos sentiram o enorme baque. Importante também dizer aqui que faço um recorte apenas sobre negócios em tempos extraordinários de crise. Na época, colocar a saúde e a vida de todo mundo veio em primeiro lugar; foi e era inegociável. Respeitar a pandemia e a ciência foi sempre levado muito a sério. Todas ficamos em casa desde o primeiro dia, adpatamos o trabalho para remoto na velocidade da luz e faríamos a mesma coisa hoje, sem pestanejar.
Mas empresas são organismos complexos e quando você é pequeno, as chances de se dar ao luxo de poder pausar tudo meses e esperar um bom momento de mercado são tão reais quanto os boletos pararem de chegar todo dia primeiro.
Nessa hora, esteja preparada ou não, queira ou não, se você não tiver sangue frio o suficiente para tomar decisões difíceis e calculadas, a conta vai chegar.
Empreender, infelizmente, não é um jogo onde você pode pausar o tabuleiro e voltar um pouco depois, de banho tomado, casa arrumada e uma taça de vinho na mão.
Para pequenas empresas, ainda mais no setor de eventos, este período foi ainda mais dramático. Já discutíamos sobre pivotar para um foco mais digital - como cursos; que muita gente pedia. Afinal, éramos 4 mulheres criando um negócio que trazia muito impacto. Queriam saber como a gente fazia aquilo. Mas sempre decidimos priorizar o core - produzir vestido. A gente acreditava 100% na escala e durante estes meses recalculando a rota, isso não foi diferente.
Levei um tempo para ter esta clareza, mas naquele época já pensava que, infeliz e obviamente, empreender exige uma enorme capacidade de tomar decisões difíceis e eu era muito ‘mole’ (acho que ainda sou?!, mas aí é outra história, hehe).
Isso além de não funcionar, atrapalha, porque você vai tomar decisões emocionais quando elas precisam ser racionais.
Começamos a colocar foco em coisas não tão estratégicas. Não olhamos para fora; paramos de inovar. Tudo isso enquanto drenávamos energia buscando culpados internos para coisas que não eram prioridade, resultando num evitável desgate.
As visões ficaram muito diferentes e tivemos problemas de relacionamento. Saí da operação em 2020, continuando como sócia minoritária. Agradeço minhas sócias pelo tempo que deu certo para mim - até não dar. A empresa fechou em 2022 e detalhes dos anos finais estão sendo contados por elas aqui.
Print do instagram. O Amor é Simples foi uma marca diversa e inovadora que mudou a forma como as brasileiras pensavam sobre casamento e consumiam seu vestido de noiva.
Os aprendizados
Se fosse recomeçar hoje, o que faria diferente?
Traria mentores e conselheiros mais cedo e me mudaria para SP, onde o poder de conexão é insuperável, fechando mais parcerias estretégicas. Mas, principalmente, investiria num produto tecnológico e escalável, focando em receita recorrente.
Com o conhecimento que tenho hoje, sei que estacionamos; o produto era caro, as marges baixas, apostamos numa escala que não chegou. Até hoje tenho trauma de virada de mês (será que existe um nome técnico pra isso?). A gente fazia o impossível para bater as metas e, inevitavelmente, todo dia 01 à meia noite a roda recomeçava a girar. Era realmente exasperante.
E o que faria tudo de novo?
Um branding poderoso com um propósito forte, que criou uma comunidade. A identificaçãoo com a marca era imediata e o relacionamento com a cliente extremamente próximo. Geramos muitos insights para produto, comunicação, marketing… pro negócio como um todo.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
Assim como todo mundo que já fracassou, tenho zilhões de aprendizados sobre as mais diversas frentes de negócio e poderia falar horas sobre cada um deles. Aqui está minha curadoria de lições aprendidas:
Se um dia voltar a ser uma pessoa jurídica, será com sócios que já passaram por fracassos. Todos partem de uma enorme bagagem de soft e hard skills. A curva de aprendizado é menor, gerando valor mais rápido.
Precisa ter uma CEO com perfil de liderança e negócios que esteja afim de cumprir a expectativa do papel e seja treinada para isso. Não ter esta figura olhando para o futuro de forma estratégica foi uma baita bola fora.
Vá em busca do dinheiro. Esteja preparada para iterar. Não ter colocado energia em outras fontes de renda para além do core - como forma de testar novas frentes, foi outro erro.
Tenha um recorte claro sobre trabalho x vida. Quando não mais consegui ser uma mulher-máquina, parece que tudo desandou. Pra mim e pros outros, e foi bastante confuso. Hoje, não acho que o bom profissional é o ‘altamente produtivo’ que entrega sem parar; mas sim o que sabe dosar a energia e enxerga o processo como uma maratona; não uma sprint rápida.
Os seus resultados falam a verdade. Ou: não seja um otimista burro. Se o seu sexto sentido estiver aguçado e os estudos sobre mercado estiverem afiados, você saberá quando precisa pivotar.
O depois:
Como estou hoje? Me reinventando porque:
1 - preciso pagar as contas.
Aos 34 anos, recomecei minha carreira na tecnologia, como Product Manager numa das maiores empresas de ecommerce da Alemanha. Isso após apenas 3 meses de estudo e busca de emprego. Acho um fato impressionante porque migrar pra produto é difícil e muito concorrido.
2 - não consigo ficar parada. Tenho 3 projetos paralelos que dedico algumas horas semanais:
PitchWise - mentorias para early-stage startups. Criei uma metodologia exclusiva que tem o pitch como ponto de partida e entrega muito impacto. Sempre me dão sugestão de transformar isso em curso - mas por ora não tenho energia, gente! Se você é um realizador da ára e tem interesse nisso, me chama para falarmos de uma parceria.
Parei com as mentorias individuais e a única disponibilidade que abri para 1:1 está aqui. Meu foco tem sido B2B - hoje tenho parcerias com TecnoPuc e FGV Ventures.Grupo de transmissão no whats com oportunidades semais que podem gerar impacto e crescimento para seu negócio.
Failwise - que começa oficialmente hoje e vou trazer edições quinzenais contando histórias de quem não chegou lá.
Vamos nos conectar? Aqui está meu Linkedin.
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Como criar experiências 11 estrelas e outras lições do CEO do Airbnb. 🌟
Regras valiosas para uma boa estrutura organizacional. ⛓️
Dicas do que não dizer para um investidor ao fazer um pitch. 🤝
Como construir um pitch vendedor imbatível, com a referência em storytelling April Dunfol. 🗣️
Quer comentar, contar sua história ou dar um feedbak? Escreva para natipegoraro@gmail.com.
Como sempre entendo tudo como um grande processo de aprendizado, isso me motivou a estudar e treinar muito. Eu sempre me destaquei fazendo pitch e, modéstia à parte, a melhor apresentação era sempre a minha.
(Hoje sou mentora de Pitch e tenho parceria com grandes instituições como FGV Ventures e Tecnopuc. Me chamem!)
Que grata surpresa entrar no site para compartilhar o link e ver que euzinha ainda estou na foto de capa ao lado de 250 brilhantes empreendedores de toda América Latina.
“Só há fracasso porque uma alma corajosa foi lá e fez.” Que honra te conhecer há tanto tempo e acompanhar de perto e de longe as iterações , os sucessos e os fracassos. Tu é uma das profissionais mais inteligentes e criativas que já conheci e já aplaudo esse projeto de escancarar essa palavra fracasso: quando a gente fala sobre algo difícil, a vergonha e o estigma perdem força, e as conexões são muito fortes. Parabéns por escrever e reescrever a tua história, Nati! Que você inspire muitas pessoas, que crie muito e que desfrute de cada pedacinho da vida dentro e fora do trabalho. Um beijo 💛