No. 4 — Dezembro, 2023.
O começo
Douglas empreende há duas décadas. Teve uma premiada agência de comunicação e administrou uma franquia de alimentação em shopping junto com a família. Inaugurar um restaurante próprio parecia um passo natural, ainda mais da forma que a oportunidade surgiu. O que os 12 meses de negócio ensinam? Enquanto ainda se recupera, compartilha sua história como inspiração. Ou alerta.
Foto: Acervo pessoal
Quando era tudo verdade
Porto Alegre, agosto de 2022.
Brasa inaugurava no Barra Shopping.
O novo restaurante, em um dos principais pontos comerciais da capital gaúcha, foi cuidadosamente planejado para, no futuro, poder virar franquia.
Há diversos casos de sucesso para quem é do ramo. O que inspirou Douglas é a Mr. Cheff, rede de restaurantes com preços acessíveis que esta ano vai faturar R$42Mi*.
As duas décadas empreendendo até dariam a resiliência e coragem necessária para esta fase, mais ambiciosa. Mas uma pessoa foi o fator chave para tudo acontecer.
Quando um herdeiro de uma renomada rede varejista apareceu e propôs uma socidade, pareceu que, ali, os planetas se alinhavam.
A confiança aumentou exponencialmente e foi o motor que impulsionou a decisão. Com os riscos consideravelmente reduzidos, pegou mais de R$200 mil do próprio bolso e fez a coisa acontecer:
“Fiz a identidade visual, registro da marca, reforma. Tudo certinho. Segui todas as exigências do shopping - que são altíssimas”.
Para dar perspectiva, só o sistema de exaustão foi cerca de R$ 70mil.
Um ano depois, Brasa fechava as portas no prejuízo. Levando junto praticamente as economias de uma vida inteira. O empreendedor ainda está no processo de entender o que aconteceu.
Como juntar todas as peças para criar sentido e recomeçar?
“Eu deveria ter seguido igual”, afirma.
A jornada até a inauguração. Ou como seria este igual.
Douglas empreende desde estudante. Aos 21, fundou uma agência de comunicação com os colegas de faculdade, onde permaneceu por 14 anos.
Saiu por divergências de relacionamento nos meados da pandemia - uma das sócias era também parceira romântica, e segue até hoje como autônomo.
“Para o cliente, é sempre para ontem. Como faço de tudo um pouco e entrego muito valor, consegui muitos contratos. Me considero um resolvedor de problemas. Em pouco tempo já ganhava mais do que na agência.”
Douglas é um realizador. E foi sua resiliência, afinco e ambição de uma vida mais estável que o levou até o universo de restaurante.
O começo foi para ajudar numa empreitada familiar, quando seus pais adquiriram uma franquia de uma rede de comida saudável. Por 6 anos, fez jornada tripla e os planos só mudaram ano passado.
A ideia de que em breve as pessoas voltariam a sair de casa e consumir não se concretizou. Com o faturamento muito afetado em 2022, a família decidiu encerrar as atividades.
A história seria outra, não fosse a elevada multa para finalizar o contrato com o shopping.
“Shopping é um universo paralelo”, afirma.
Aluguel, condomínio e valores partiam de R$36 mil por mês. A multa de R$240 mil colocava a todos numa situação arriscada.
Avaliaram com muito cuidado as opções:
1. Encerrar o contrato, diluindo o valor entre os 4 familiares.
2. Arriscar com um novo negócio.
3. Vender o ponto e entregar a loja, para tentar diminuir o prejuízo.
A família queria a primeita, mas Douglas não via sentido em deixar tanto dinheiro na mesa. Por isso, colocou a última em prática.
Só que aí uma quarta opção apareceu.
Parando no meio do caminho
Ponto à venda.
Um interessado em cumprir as exigências requeridas se apresenta.
E faz uma proposta um pouco diferente do esperado.
Esta pessoa vinha de gerações de negócios no varejo. Redes, franquias, lojas de rua e em shoppings. Novas negociações começaram.
A promessa? Um novo restaurante. O potencial sócio traria expertise, equipe, cardápio montado, networking e fornecedores. Douglas não se preocuparia com nada - a não ser o que já fazia: marketing, vendas e operação.
Todas as peças pareciam se juntar.
Mesmo assim, não se convenceu de primeira. Seguiu estudando, criando cenários e investigando as possibilidades. A decisão somou alguns fatores. Destaco:
O segmento de franquias de alimentação seguia aquecido. Em 2022, cresceu 18% e faturou R$ 51,9 bi**, com mais de 40 mil unidades no país.
Por coincidência, os contadores eram os mesmos e o profissional confirmou as projeções futuras e receitas passadas.
O plano de negócio fazia sentido: um faturamento na casa de seis dígitos era factível.
A maior dúvida, o alto valor do aluguel e condomínio, deu lugar à motivação de ter um sócio com experiência e uma sólida rede de contatos.
Branding e identidade visual foram criadas pelo empreendedor. Imagem: Google
Aí, entra em cena outra decisão ainda mais relevante: começar sem dívidas. A ideia era promissora e Douglas tinha dinheiro para investir.
“Conectei vários pontos e encontrei uma grande redução dos riscos intrínsecos. Valia a pena arriscar.”
Não queria pagar juros e começar com dívida. Para o projeto, dispôs mais de R$200 mil de economias próprias. Investimento que se pagaria em cerca de dois anos.
Só que aí, o primeiro mês foi de prejuízo.
O segundo também.
E o terceiro…
… O faturamento previsto estava muito, muito aquém de acontecer.
A loja não deu retorno em nenhum dos meses.
Douglas perdeu o sono incontáveis noites pensando no que fazer. Só que a bola de neve só crescia. O sócio? abandonou o barco depois do primeiro mês. Sim, primeiro mês da loja aberta.
O que deu errado? O que poderia mudar?
Na corrida contra o tempo, alguns acordos continuavam não sendo cumpridos; como um dos primeiros feitos, que era subtituir o fiador. A confiança no que estava acontecendo entre ele e o sócio foi perdida.
Fechou as portas em agosto de 2023. Aquela ideia, lá atrás, de marchar com um prejuízo para encerrar tudo, nunca pareceu tão promissora.
Mas esta decisão chegou tarde demais. E acompanhada de um prejuízo quase dez vezes maior.
Os aprendizados
Se fosse recomeçar hoje, o que faria diferente?
Entenderia que registrar acordos e assinar contratos também é investimento. A pressão financeira em inaugurar, já que cada mês fechado é prejuízo, falou mais alto. Simultaneamente tocou a reforma, construiu a marca e foi formalizando acordos. Não ter colocado alguns no papel mais cedo cobrou seu preço.
O que faria tudo de novo?
Não faria.
Se fosse recomeçar um negócio, seria de forma mais cautelosa, no digital, minimizando ao máximo o custo fixo mensal e sem imobilização de capital. Sócios? Somente se forem de extrema confiança.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
Começar em shopping. Os custos são muito altos e comem muita margem. Hoje, escolheria loja de rua e só daria este passo após um crescimento sólido, como forma de ganhar visibilidade.
Trabalhe seu sentimento de injustiça. “Abdiquei de muitas coisas para criar o Brasa e isso reforçou um sentimento enorme de perda”. Foi preciso investir tempo e energia para poder seguir em frente.
Insegurança jurídica precisa ser impedimento para abrir as portas. Resolva todas as questões burocráticas antes do dia 1. Evite coisas a ‘toque de caixa’ porque sua lista de tarefas é alta.
Não faça negócios com quem você não conhece bem. Dedicar tempo a construir relações de parceria trarão insights importantes sobre se comprometer (ou não) com uma nova sociedade.
Falas podem encantar. Todo mundo aprecia pessoas com grande poder de persuasão. Aplicar filtro e não deixar frases de efeito influenciarem suas ações pode manter sua sanidade.
O depois
“Ainda vou dormir pensando: por que anunciei o raio daquele ponto?”
Nem o AVC que teve aos 30 anos e o deixou na UTI por quinze dias impactaram tanto a saúde física e emocional como agora. Douglas entende que é um longo processo de aceitação, entendimento e recuperação. Tem ansiedade, depressão e dificuldades para dormir.
Também acha este caminho solitário e desértico, mas que seleciona afetos. Hoje sabe com quem pode contar e quem está ao seu lado torcendo para que tudo fique bem.
Segue se reinventando dentro do próprio trabalho, oferecendo serviços de comunciação e marketing para uma vasta gama de clientes. E encontrou na fé um caminho sentir-se recuperado.
Espera conseguir parar de fazer contas em algum momento. “Não calculo só a perda financeira, mas o tempo de vida”, afirma.
Acompanhe Douglas no LinkedIn e Instagram.
Obrigada por compartilhar sua história, abrir alguns números e servir como inspiração - ou alerta - para outros empreendedores.
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Esta news compriu seu objetivo de trazer 4 histórias em dois meses e entra em recesso, retornando dia 11.01.24. Em Janeiro também teremos duas edições e eu sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem! :) )
Nati.
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* Rede de Franquia com 20 lojas.
** Dados da revista Exame. Segmento cresceu 20% no primeiro trimestre deste ano.