Rede social para pais que não chegou lá
História de uma startup pioneira em criar uma comunidade em torno de novas famílias
No. 8 — Fevereiro, 2024.
O começo
Lúcio Cordeiro é empreendedor, consultor, mentor, investidor e professor. Fundou três startups - uma delas com um exit de sucesso para o Bradesco. Vamos focar na primeira delas, uma rede social com foco em pais e familiares que girava em torno do crescimento do seu bebê. Que lições esta stratup que operou por um ano nos ensina? Boa leitura!
Logo da startup. Imagem: Facebook.
Quando era tudo verdade
São Paulo, janeiro de 2012.
Quando você tem um bebê, um novo universo surge orbitando entre os pais e a rede de apoio. As pequenas evoluções do dia a dia viram um evento a ser compartilhado e celebrado.
Qualquer novo indício de crescimento é uma razão suficientemente magnífica de ser fotografada e exibida com um olhar orgulhoso.
Compartilhar abertamente em redes sociais - sem nenhuma garantia de segurança - era um problema há mais de uma década atrás. Ainda o é hoje em dia.
E se existisse uma rede social projetada exclusivamente para mapear todas as fases do desenvolvimento da criança? Desde o tempo de gestação até os primeiros passos… uma plataforma que costurasse cada capítulo dessa história em uma linha do tempo encantadora?
Essa era a visão por trás da My Baby Box, a pioneira rede social brasileira dedicada a este nicho específico.
A plataforma mapeava a gravidez e os preciosos primeiros anos do bebê. Tudo em um espaço virtual seguro e privado, girando em torno da família e as pessoas próximas. Não era possível exportar nem printar as informações, por exemplo.
O site, que viraria também aplicativo, começava a conquistar os primeiros milhares de usuários. Em pouco tempo, quase 20.000 cadastros ativos.
A startup decolou e até alcançou os primeiros lugares em um renomado concurso de empreendedorismo da FGV. Os ecos positivos validavam a tese dos empreendedores.
"Entendemos que éramos competitivos. Os feedbacks de outros empreendedores e investidores era de que estávamos no caminho certo".
Lúcio, aos 23 anos e fundador de primeria viagem, dedicava-se exclusivamente à startup; queria crescer rápido e não perder o timing aquecido do mercado.
Por que, então, em dezembro do mesmo ano, o empreendedor voltava ao mercado de trabalho?
Acompanhe a seguir os fatores que levaram a essa decisão.
A vontade de empreender e como chegaram na My Baby Box
Ainda no começo da faculdade de administração, mesmo sem saber direito as terminologias do universo de startup e inovação, Lúcio já mergulhava nos cases e medotologias. A concepção de transformar ideias em realidade começava a surgir.
Atuava como consultor quando, junto com os dois futuros sócios, iniciou conversas informais sobre montar um negócio. Queriam avaliar o mercado em busca de oportunidades intrigantes.
Numa mesa de bar, o papo começou em redução de impacto de carbono e estacionou no universo infantil - havia um movimento interessante acontecendo no Brasil e no exterior.
A Amazon acabara de comprar a Diapers.com, site de produtos infantis, por 500 milhões de dólares. Por aqui, a Baby.com, levantava R$30 milhões com um famoso casal de apresentadores como garotos propaganda.
Mapearam o mercado e o que era uma aposta se confirmou com números: aquecido e com tendência de continuar crescendo.
O segmento de conteúdo também expandia, liderado pelos blogs. Em pouco tempo, também podia-se observar uma explosão de mães influencers no Facebook. A produção de conteúdos relacionados aos primeiros anos de uma criança conquistava cada vez mais espaço.
Três jovens solteiros, na casa dos vinte anos, decidiram arriscar.
“Este mercado é promissor, bora fazer algo no nicho…
E foi assim, de forma bem pragmática e com zero conexão emocional, que a gente começou”
Era hora de desenhar a ideia.
O digital era o caminho
Produto físico foi descartado pela alta injeção de capital.
O aporte inicial era as economias dos fundadores. Uma solução no digital sempre foi o objetivo - até para evitar confronto direto com os grandes players do varejo.
O plano: investir numa experiência cativante, construir uma base sólida e monetizar a audiência por meio de publicidade.
Lúcio começou a fazer pesquisa de campo. Era crucial mergulhar neste universo, mas alguns obstáculos começaram a surgir:
“Eu não sabia nada sobre crianças. Entrevistava muita mãe e a primeira pergunta era sempre a mesma: Você tem filho? Com a minha negativa, um pouco da empolgação da conversa se perdia…Faltava um ponto importante de conexão.”
O produto foi se desenhando conforme os sócios conversavam com o público-alvo e compreendiam verdadeiramente as maiores dores.
“Um dia minha mãe chegou lá em casa e eu estava lendo o clássico “O que esperar quando você está esperando”, dei o maior susto achando que era assim que eu anunciaria que ela ganharia um neto”, relembra rindo.
Dois pontos apareciam em todas as conversas: o desejo de mapear cada acontecimento do bebê e a preocupação com a segurança e privacidade.
As mães desejavam compartilhar fotos e acontecimentos com sua rede próxima. Mas na época, as definições de privacidade eram bem diferentes - a transparência do que as redes faziam com nossos dados era (ainda mais) obscura. Além disso, as opções eram limitadas - o recurso "close friends" do Instagram, por exemplo, só foi lançado anos depois.
Informação, conteúdo e troca.
Esses eram os pilares da solução criada.
“Éramos startupeiros raiz, a gente saía do escritório para falar com pessoas. Voltava, criava e pivotava rápido. Era tudo bem intenso.”
Parando no meio do caminho
E o desafio de começar um negócio do zero com pouco caixa
A My Baby Box sustentava uma base bastante ativa, e pelo pouco tempo no ar, um crescimento considerado robusto.
Os quase vinte mil usuários vieram praticamente de indicações. A tração era impulsionada pela própria rede - a família trazia sua base próxima.
A primeira tarefa árdua de uma nova startup é adquirir clientes. Dever cumprido, vem o próximo desafio: os sócios precisavam garantir recursos financeiros, seja monetizando o produto ou buscando investimentos para uma escala mais acelerada.
Lúcio havia se programado financeiramente para a empreitada, mas a grana estava acabando. Era preciso capitalizar o negócio e ter um salário para conseguir bancar mais tempo full-time na operação.
Só que a dura realidade de tirar um negócio do papel do zero, com recursos limitados, começou a se revelar. Ganhar dinheiro, nas duas frentes, não era tão simples.
1 - Com os investidores
O trio se reunia com VCs, fundos, investidores… o padrão de resposta era o mesmo: queriam ver mais gente na plataforma. O volume de usuários era um sinal positivo; mas ainda não o suficiente para valer o risco de um aporte.
2 - Monetizando a audiência
Possuíam estratégias de marketing, planos de mídia e faziam muitas reuniões com empresas e marcas do setor. As respostas começaram a ficar previsíveis: havia uma forte probabilidade de a audiência da startup já estar dentro da base do negócio.
O fato de parte do público ser rede de apoio - e não necessariamente tomadores de decisões que compram produtos infantis - deixava também um pouco menos tentador.
Com as negativas, uma dura verdade: o plano de negócios não estava se concretizando. Mas havia uma clareza importante: os sócios ganharam as respostas que buscavam, validaram suas hipóteses e entenderam que não daria para chegar tão longe quanto o planejado.
Lúcio saiu da empresa no final de 2012 e o site encerrou as operações pouco depois.
“Um dos principais fatores do porquê a startup morreu era que a gente tinha zero conexão com mercado. A gente era muito técnico, mas zero emocional”.
Era, então, hora de recomeçar.
Os aprendizados
O que você já diferente nos negócios seguintes?
Não focar em B2C, por ser um mercado de números estratosféricos. Lúcio já tinha esse insights e a experiência na My Baby Box só validou a tese. “É preciso milhões de usuários ativos diários e uma grana absurda de marketing para começar a ser interessante para o investidor em termos de impacto e resultado.”
O que fez ou faria igual?
A forma de entender o cliente, iterando rapidamente. Era muito próximo das mães, construindo um relacionamento que desde o início enriqueceu muito o produto final.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
Entenda o apelo emocional que envolve seu produto porque isso contribui para um propósito e branding forte. Mesmo com muito estudo e conexão, ficou o sentimento de que faltava conhecimento genuíno da causa - já que nenhum dos fundadores tinha esta vivência.
Cuidado com features puramente informativas. Os sócios entrevistavam o público; iam a fundo para entender o que queriam, mas focavam no que era útil e prático. Faltou foco em estabelecer mais conexão emocional.
Tirar as ideias do papel é valioso, mesmo que os resultados não sejam o esperado. Testar e validar hipóteses é crucial para evitar ficar preso ao "e se?", permitindo seguir adiante mesmo que isso signifique fechar as portas.
Foco em B2C é bastante oneroso. Alcançar e adquirir clientes requer altas cifras em marketing e a experiência precisa ser muito trabalhada para gerar engajamento, frequência e retorno.
Empreender sem capital é um equívoco. Se você depende de salário no final do mês, sua capacidade será restrita e o risco de precisar parar no meio do caminho é muito maior.
O depois
“Essa experiência me ajudou a perder o medo de criar MVPs e isso foi fundamental no sucesso da minha segunda startup”
Hoje, Lúcio é Head of Sales & Trade marketing na Bettha, tem um poscast sobre empreendedorismo, uma consultoria de estratégia e gestão, além de investir e mentorar startups.
Entende a experiência na My Baby Box como um tempo valioso de aprendizado prático sobre negócios.
Se considera mais apaixonado por problemas e novas formas de solucioná-los, do que pela ideia em si. Perdeu o medo de errar - isso virou parte do processo de construção e uma ponte para inovação.
Já criou outras três startups e aqui também tem outro aprendizado valioso: Esperou quase dez anos para lançar a sua segunda.
Após o fracasso na primeira, voltou para consultoria e focou na carreira de executivo um tempo depois. Passou pela 99, depois por empresas na Alemanha e Itália até co-fundar a Aarin, uma fintech com soluções open-banking que em menos de 2 anos foi vendida para o Bradesco.
Também tem uma consultoria de estratégia e gestão, além de mentorar startups. Conecte-se com Lúcio no Linkedin.
Obrigada por contar sua história e inspirar outras pessoas!
O empreendedor Lúcio Cordeiro. Imagem: Linkedin.
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Já ouviu falar do LIFT framework? Ele avalia 6 pontos de conversão e é uma ótima ferramenta para mapear a experiência do usuário em seu site. (em Inglês). ✈️
Um bate-papo inspirador sobre fracassos, por que startups falham e desafios de empreender. Minha participação no podcast Startupei.💡
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