Uma IA assistente de projetos que não chegou lá
História da Pannacotta, startup global e que pivotou algumas vezes antes de encerrar as atividades.
No. 16 — Junho, 2024.
O começo
Fernando Taliberti é engenheiro, empreendedor, consultor e investidor. Vendeu sua primeira startup para uma grande empresa de benefícios e, um tempo depois, fundou a segunda: global, focada em IA e que operou por dois anos. Quais os desafios e aprendizados da jornada? Confira na edição de hoje. Boa leitura!
O empreendedor Fernando Taliberti. Foto: acervo pessoal.
Quando era tudo verdade
São Paulo, abril de 2022.
Como maximizar nosso potencial em meio às inúmeras demandas diárias? Como utilizar o tempo de forma eficaz, investindo nos objetivos que realmente importam?
Para trazer clareza a essas questões e impactar uma vida com mais propósito, a Pannacotta surgia, já global.
Desde o início, foi concebida sem fronteiras, totalmente em inglês, com o objetivo de alcançar o máximo de pessoas. Num mundo pós-pandêmico mais interligado, as barreiras para descobrir e usar um produto digital podem ser menores. A versão inicial era um plugin de calendário que auxiliava os usuários a definir suas prioridades, vinculando eventos e ações aos seus objetivos pessoais.
Lançar um projeto ambicioso sempre é empolgante, e em pouco tempo, 200 usuários estavam a bordo. Acompanhar os números e atingir metas trazia aquelas descargas elétricas que fornecem doses extras de energia e motivação. Novas ideias de melhorias não paravam de chegar.
Logo em seguida, um platô.
Os três sócios sabiam que iterar fazia parte da jornada. A Pannacotta teve algumas versões focadas no usuário final quando, ao final de 2022, o ChatGPT surgiu.
Em pouco tempo, pivotaram para um agente de performance que acelerava times de desenvolvimento. A missão de ajudar as pessoas a focar no que era mais importante ainda estava ali; mas a prioridade agora era vender para empresas.
Alguns meses depois, encerravam as operações. Quais os bastidores desta decisão? Acompanhe a seguir.
De consultor a fundador de startup de IA
Formado em Engenharia de Produção, Fernando se considera um generalista - gosta da possibilidade de poder atuar em diferentes campos.
Encontrou-se no empreendedorismo pelas múltiplas formas de combinar suas capacidades. Mas antes, passou uma década em grandes consultorias como Accenture e TOTVS.
Nesta última, estruturou e dirigiu duas áreas, de Corporate Ventures e Fusões&Aquisições (M&A). Na prática, era um comprador de empresas mais maduras e investidor em startups prontas para decolar. Com o tempo, algo faltava e estabilidade não era tão satisfatória.
“Me sentia do lado errado da mesa… O sonho de empreender estava querendo voltar.”
A inquietação virou uma busca ativa por ideias. Viu no varejo uma chance de revolucionar: enquanto os e-commerces se modernizavam, o físico era arcaico.
Formulou uma tese para trazer a tecnologia do online e inovar no presencial; evoluindo a experiência de consumidores e lojistas. Junto com um sócio, explorou caminhos e fundou a Onyo, uma plataforma integrada para pedidos em praças de alimentação.
O objetivo era melhorar a experiência do consumidor em um ambiente onde a recorrência e a variedade eram chaves. Na base, mais de 200.000 usuários ativos e grandes clientes, como McDonalds e Pizza Hut.
No entanto, o desafio era monumental. O segmento era notoriamente difícil, com produtos perecíveis, alto turnover e margens apertadas. A jornada de oito anos sempre foi árdua - ficou mais de seis anos sem salário, reinvestindo tudo na operação. Quase quebraram várias vezes.
“Só teve um final feliz porque fomos comprados. Aí, chamam isso de resiliência. Se não, seria uma teimosia imensa.”
Fernando sempre foi intencional sobre estar entre as pessoas que fazem a diferença no mundo. Assim que a venda foi concretizada, já pensava em qual seria o próximo desafio e foi observando as pessoas migrando para rotinas remotas e um dia a dia cheio de distrações digitais, que a Pannacotta surgiu.
Logo da Pannacotta. Imagem: Linkedin
Os bastidores de criar uma startup do zero
Durante a pandemia, com as restrições e o trabalho remoto, havia uma necessidade urgente de alinhamento e clareza nas prioridades. A comunicação era essencial, mas faltava um meio eficiente para garantir que as pessoas permanecessem focadas no que realmente importava.
Fernando e os novos sócios, uma Designer e Consultora de UX e um Engenheiro de Software, queriam explorar problemas válidos de serem resolvidos dentro deste contexto e, para isso, entrevistaram mais de 100 pessoas.
“A ideia era ajudar a responder questões como “O que é importante para mim agora hoje? E nesta semana? Neste mês?”
Queríamos atingir questões mais profundas, mas a prática era outra coisa.”
A primeira versão, o plugin de calendário, mostrou que a tese era boa, mas haviam camadas mais complexas que o produto precisava desbravar. Entra aqui o fator ‘ser humano’.
Os usuários seguiam sem saber o que priorizar porque faltava clareza em seus objetivos e assim tomar decisões fundamentais para desdobrar em metas.
“Viramos um suporte para categorizar áreas da vida; uma calculadora de quanto tempo se gasta em cada coisa. Não era isso que a gente buscava.”
Pivotaram para B2B, porém, a complexa jornada de adoção desanimava.
Era necessário baixar e instalar um plugin no navegador, aí convidar colegas de trabalho para fazer o mesmo antes de começar a usar. O processo não era intuitivo e gerava alta manutenção, devido à variedade de navegadores e integrações necessárias com várias APIs.
“Os usuários diziam que não queriam uma nova ferramenta, mas, algo fácil, simples e integrado ao dia a dia.
Pensamos: por que não conectar com o que já existe?”
Seguiam testando, pivotando, iterando, quando…
…IA chegou desbloqueando inúmeras potencialidades
Final de 2022 , ChatGPT chegou quebrando paradigmas e entrando em todas as salas de reunião e rodas de conversa. A Inteligência Artificial trazia artifícios inéditos para acelerar e criar novas regras de inovação.
Prometendo uma verdadeira revolução em qualquer área de conhecimento, a sensação de qualquer empresa de base tecnológica era de já estar ficando para trás. Mudou diversos rumos de negócios, inclusive da Pannacotta.
Fernando viu isso como a oportunidade perfeita de chegar a um produto escalável. Não teve um esforço hercúleo em desenvolvimento - beneficiando-se do que a IA já disponibilizava, integraram tecnologias que usam pouco ou nenhum código. Ferramentas como Zapier, Integromat ou Unito permitem criar complexos fluxos de trabalho automatizados com bem pouca programação.
Adicionando uma camada de IA, chegaram a centenas de comandos. O novo produto era um bot que integrava-se ao dia a dia de times, auxiliando no gerenciamento de projetos. O agente inteligente listava tarefas semanais, definia métricas importantes e trocava mensagens assíncronas com os colaboradores, garantindo um foco maior nas atividades que realmente impactassem os resultados.
Outra mudança foi focar em uma única plataforma: o Slack - uma das maiores ferramentas de comunicação e colaboração, usada por mais de 100.000 organizações e mais de 10 milhões de usuários ativos diários*.
A escolha reduzia barreiras de entrada - a solução estava no mesmo lugar do usuário.
A mesma missão, agora mais moderna e promissora. Um agente de produtividade acompanhado a performance dos times era a nova aposta da Pannacotta.
Um dos casos que o bot da Pannacotta resolvia: transformava comandos em plano de ação, com data e responsável pela tarefa. Imagem: Linkedin.
Parando no meio do caminho
Os bastidores da Pannacotta sempre foram de inquietação e de trabalho árduo para consolidar o modelo de negócio. Essa clareza nunca faltou: a tese é crível, mas só se resolve o problema quando se entrega escala.
Os três sócios sabiam que estavam entrando em uma categoria com grandes players e precisavam gerar muito valor para entrar na briga. Para isso, precisa-se de recursos.
Fernando trouxe vários anjos ao longo da operação. No total, captou $235.000 com pequenos cheques, em um fluxo constante para garantir alguns meses adicionais de atividade.
Mas captar era complexo. Na prática, os investidores brasileiros hesitavam em apostar em uma empresa global, enquanto os estrangeiros questionavam por que uma empresa global tinha sócios que residiam fora dos grandes 'Vales', como o do Silício.
Precisavam de mais tração para buscar uma rodada de Venture Capital, mas a grana só encurtava e ainda não tinham um produto comercialmente viável - o famoso Product Market Fit.
A equipe corria para atrair novos usuários no Brasil, EUA e Índia, que acabavam desengajando algum tempo depois. Os clientes ainda não estavam dispostos a pagar.
Da porta pra fora, o mundo da tecnologia seguia se expandido, acelerado. Concorrentes mais poderosos, semana após semana, lançavam novidades e integrações com IA.
O time desmobilizou. Estavam no caminho certo?, pensavam.
“Era massacrante acompanhar tanta notícia, novas features e capacidades.
A sensação era de ser pequeno demais em um jogo dominado por grandes.”
Até onde iriam em um negócio que não gerava receita? Em fevereiro deste ano, 2024, pausaram a startup para pensar em possibilidades. Entre descobrir novos problemas, pivotar e recomeçar um novo produto, decidiram encerrar as operações.
Ainda havia parte do dinheiro investido, que foi devolvido aos investidores.
Era hora de recomeçar.
Os aprendizados
O que você faria igual se fosse começar um novo negócio?
A escolha de sócios e um vesting bem amarrado. Encontrar perfis complementares e com a mesma energia é essencial. Seguir o modelo de vesting ensinado pela Y Combinator, onde a parceria é testada por três meses antes de um compromisso definitivo, provou-se eficaz porque fomentou um alinhamento sólido. Esse sistema garante que todos estejam comprometidos com a visão a longo prazo.
O que faria diferente?
Enxergar o valor da rede e dos sistemas existentes. Colocaria uma fase inicial de exploração dento dos contatos próximos para obter feedback e suporte, encurtado alguns caminhos.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outras falhas; não as que estão nesta edição:
Usuário quer o menor trabalho possível. Para testar e utilizar uma nova funcionalidade, precisa ser fácil e intuitivo, de preferência dentro do ambiente que o cliente está. Ter insistido em um plugin que precisava de várias etapas até o onboarding tornou a adoção muito menor.
Subir a barra cedo demais. A ambição de começar global dispersou a atenção em múltiplas frentes e uma fase anterior, dentro da rede de contatos, poderia ter encurtado caminhos.
Captar sendo global tem dificuldades únicas. Há uma enorme diferenças na perspectiva de investidores brasileiros e estrangeiros. Quem era local não tinha segurança em investir em algo ‘de fora’ e quem era ‘de fora’ não entendia como uma empresa com sede em Dellaware/EUA tem todos sócios morando no Brasil. Na dúvida, não investiam.
Valorize seus ativos e experiências. Os fundadores tinham uma grande rede de contatos que foi subutilizada no começo do negócio, perdendo oportunidades de relacionamento, testes e feedbacks.
Aposte em anjos que já foram founders. A grande maioria dos investidores fizeram a diferença. Mas alguns não tinham conhecimento dos riscos intrínsecos e nem empatia pelo processo, gerando fricções desnecessárias.
O depois
“Ainda acredito que o empreendedorismo é a forma que mais se pode impactar o mundo. Uma pessoa pode fazer muita diferença.”
Hoje, Fernando dedica-se a consultorias, mentorias e à Tali Ventures, uma holding para investimentos-anjo e em seus próprios projetos. E ainda investiga seus próximos passos, como explorar mais o tema da newsletter Estratégia de Saída - onde compartilha sua visão única de quem já comprou e já vendeu startups.
Busca combater uma crença limitante de que “precisa empreender”, de que não seria suficiente embarcar no sonho dos outros e ajudar a construir algo significativo. Ainda está entendendo quanto de executivo e empreendedor a equação pode ter.
É muito honesto ao falar da sua jornada e do quanto testou os limites da saúde mental e física, principalmente em seu primeiro negócio. Destaco também o texto “Transformando Lixo em Tesouro”, onde fala em “Falhar para Frente” como forma de valorizar os aprendizados que só os fracassos trazem.
“As histórias de sucesso são mais interessantes, mas para quem tá na luta é um desserviço.
Falta um senso de realidade para assimilar o quanto é difícil.”
Esta humilde escritora de newsletter discorda no quesito ser interessante. A gente aprende mais - bem mais - com quem tem coragem de falar abertamente sobre um negócio que parou no meio do caminho.
Obrigada pela generosidade em contar sua história e inspirar outros (as) empreendedores (as).
Conecte-se com Fernando no Linkedin. E acompanhe também conteúdos sobre empreendedorismo no
.Tem vida pós ‘não chegar lá’, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Startups & Inteligência Artificial Generativa - Destravando o seu potencial no Brasil, report do Google for Startups sobre o cenário das IAs no país. 🧠
TL;DR: Brasil pode ser protagonista em IA generativa, mas desafios persistem - um resumo do StartSe para a pesquisa acima citada. 🇧🇷
Como o Whatsapp pretende ganhar dinheiro em cima de seus mais de 2 bilhões de usuários? 📲
Ninguém liga para o seu processo. Reflexões de um designer que podem ser aplicadas em outras áreas. 🔄
Traços consistentes de startups prontas para escalar, com dicas valiosas de como desenvolver skills que estejam faltando. (Em inglês) 📈
🔗 Links para ajudar o Rio Grande do Sul:
Maior faxina da história. App conecta quem precisa de ajuda com quem pode ajudar. 🧹
Centenas de animais resgatados precisam de lares, comida, remédios. 🐶
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→ Esta história foi 75% escrita por inteligência real, não artificial. :)