Uma indústria não escala como um software
Empreendedorismo científico: uma trajetória profissional e a história de um aporte financeiro que não moveu os ponteiros
No. 12 — Abril, 2024.
O começo
Luciano Avallone é professor universitário, mestre, doutor e pesquisador em Química de Materiais. Também consultor de gestão de inovação e empreendedorismo. Sua trajetória faz a ponte academia-mercado e, nesta edição, conta o que aprendeu quando colocou isso em prática na deeptech que foi sócio por sete anos. Boa leitura!
O professor, pesquisador e consultor de empreendedorismo Luciano Avallone. Imagem: acervo pessoal.
Quando era tudo verdade
Recife, 2011.
Finalmente, uma grande quantia de dinheiro caía na conta desta indústria de biotecnologia.
A startup, uma deeptech em termos modernos, atuava na área de alimentos e cosmética e buscava capital para escalar a produção.
Desde o primeiro pitch, quase um ano se passava. Reuniões para apresentar pesquisas, tecnologias e patentes deram lugar a novas reuniões de negociação e due diligence.
O contrato com um grande fundo de investimento finalmente foi assinado e era hora de acelerar a fabricação massiva de um suplemento alimental funcional, bem inovador para o momento.
Luciano tinha múltiplos papeis - de sócio-gestor a responsável por Pesquisa e Desenvolvimento de novos produtos; incluindo a parte de patentes, registros e regulamentações.
Com o aporte, a validação dos novos investidores apontava um caminho promissor. Tinham muito trabalho pela frente e com mais recurso, alguns caminhos se encurtavam.
A expectativa era alta e o que era apenas um projeto de pesquisa há pouco tempo, tranformava-se numa ideia factível.
“O produto ia bombar! Tinha a expectativa de vender muito, de ganhar dinheiro… de ficar milionário.”
O que veio depois não foi o sucesso estrondoso que parecia estar ali, logo em frente. Pouco tempo depois, Luciano vendia sua parte no negócio.
O que levou a esta decisão?
A jornada pesquisador-empreendedor
Luciano tem uma trajetória singular que mescla o rigor da academia com os desafios do mundo empresarial. Sempre atuando nas áreas integradas da Química, uma disciplina tida como "hard science", sua formação universitária foi predominantemente voltada para o ambiente acadêmico, onde os conteúdos eram tratados de forma puramente teórica.
Como um pesquisador coloca o pé no mercado?
O ponto de virada ocorreu durante seu doutorado sanduíche na Alemanha, onde teve contato direto com um laboratório situado dentro de um complexo industrial. Um ambiente que integrava pesquisa acadêmica a produtos com potencial de consumo. A teoria se cruzava aos desafios reais - e práticos - das empresas.
Já de volta ao país, trocou a capital paulista para lecionar em uma universidade de Santa Catarina. Lá, se associou a um pesquisador para fundar de um instituto de pesquisa em ciências básicas e assim começou oficialmente a incursão no empreendedorismo científico.
“Entendi que atuar nestas duas frentes era uma missão que trazia muito valor para a academia, para os alunos e para o ecossistema de inovação”.
Em 2007, mudou-se para Pernambuco, apresentou um projeto na área de alimentos e fundou a empresa desta história, ao lado de outros pesquisadores.
Quando um aporte financeiro não muda o ponteiro
O processo de ruptura para Luciano foi um tanto gradual e aqui trago os principais motivos.
O capital necessário para escalar uma operação industrial é um tanto incomparável ao de uma startup de base tecnológica, para dar um exemplo. Enormes cifras são antecipadas em desenvolvimento de produto - antes da primeira venda; antes de ganhar tração.
Velocidade de lançamento muito menores são o status quo. Levar um produto para as prateleiras pode demorar mais de ano já que Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e/ou MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) precisam liberar todos os registros. Neste caso, foram cerca de dezoito meses.
O capital foi alocado rapidamente e dois erros cruciais mudaram o destino do que foi planejado. Uma mudança de faixa de impostos e uma parcela considerável alocada em pessoal.
Por conta do aporte, migraram de LTDA para uma S.A., acarretando em impostos mais altos - antes de vendas reais acontecerem. Na outra ponta, gasto em salários, incentivos e pagamento de bônus.
“O dinheiro acabou rápido e isso causou uma grande pane na startup; prejudicando equipe, parceiros e fornecedores.”
Parando no meio do caminho
Hoje, Luciano entende que faltou uma visão mais estratégica e que os gestores de ambos os lados foram pouco criteriosos e cuidadosos com o investimento.
O fundo era relativamente novo e a falta de maturidade de mercado mostrou-se um tanto problemática. Os novos sócios pecaram no quanto poderiam, de fato, dar suporte e contribuir. Faltava também entendimento dos desafios reais do momento.
“Estavam aprendendo a investir e tinham uma abordagem clássica, padronizada para toda startup - o que nem sempre vai funcionar para a indústria.
Hoje, fundos estão mais acostumados a transitar entre negócios digitais, sociais ou baseados em ciência.”
A expectativa de crescimento estava bem distante da realidade. Engenharia de linha de produção para componentes específicos tem demandas diferentes de escalar um serviço de software.
Diferente do esperando, este cenário trouxe dívidas e isso afetou a empresa em muitas frentes.
A situação revelou visões muito diferentes entre os sócios. Atritos internos e externos aumentavam; as divergências para que direção seguir também. Com o tempo, bolsistas financiados por programas governamentais de fomento também saíram e a grana para contratar profissionais altamente especializados não existia. O desenvolvimento do projeto foi comprimido.
O caixa só estabilizou um tempo depois com a entrada de novos sócios. Para reverter o quadro negativo, uma parte da empresa foi vendida.
O desgaste dos últimos anos de operação, a complexidade de um grande quadro societário e o desejo de retornar a São Paulo para ficar mais perto da família fez Luciano vender sua parte.
Aquela certeza inicial de dar muito certo não se concretizou. Era hora de recomeçar.
Imagem: acervo pessoal.
Os aprendizados
O que você faria diferente se fosse começar um novo negócio?
Expectativa de sociedade desde o início. Não estava claro até onde cada um queria ir e descobrir no meio do caminho que visões poderiam ser opostas foi um baque que fez questionar o negócio inteiro.
O que faria igual?
Relacionar lado acadêmico com o lado do negócio. Luciano nunca deixou de conectar estes pilares, suas pautas de atuação até os dias atuais. Potencial de empreender na universidade, atrelado a desafios das empresas e indústrias, é um diferencial que gera muito impacto.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outras falhas; não as que estão nesta edição:
Entrada de um fundo não é garantia de nada. Sem um planejamento estratégico extremamente amarrado na evolução do negócio e um olhar crítico de médio-longo prazo, só dinheiro pode não bastar.
Aporte financeiro não é uma atuação pontual. Este capital precisa render e reverberar por vários meses e não ser diluído rapidamente em algumas iniciativas.
As expectativas precisam ser alinhadas antes do dia 01. Não há certo ou errado quando se começa um negócio; mas isso precisa ser analisado com um viés estratégico. Descobrir lá na frente que sócios querem coisas bem diferentes só gera desgaste e tempo perdido.
Nem sempre quem pensa igual é o melhor para ter como sócio. Perfis muito parecidos podem levar a uma visão de túnel e decisões enviesadas.
A jornada fica mais rica se você estiver aberto ao autoconhecimento. As experiências criam novos sentidos e você ganha muito mais que só aprendizados de negócios. Hoje, os desafios pessoais de um cientista que empreende inspiram outros que pensam em aplicar suas ideias fora da academia.
O depois
“O empreendedorismo científico me trouxe um portfólio curricular gigantesco”
Após retornar para São Paulo, Luciano tranferiu-se para a Federal do ABC, onde dá aulas até os dias atuais e seguiu expandido esta ponte entre academia e empreendedorismo.
É pesquisador-líder numa aceleradora de base científica para deeptechs, em parceria com o Sebrae for Startups e o IPT.
Além disso, desenvolveu uma metodologia chamada Protagonista Empreendedor, premiada pelo SEBRAE/SP. Também está construindo a DeeptechBuz, uma plataforma de capacitação e treinamento para jovens cientistas que querem ter seus negócios.
“Faço a ponte pesquisa-ciência com o ecossistema de inovação e vejo que, profissionalmente, empreender foi um ganho gigantesco.
Esta misturas de elementos me transformou em um profissional ‘T shaped’, que é especialista em um tópico, mas com conhecimento generalista de negócios.”
Passou por sua cabeça que o maior desafio foi sair da academia para a desafiadora realidade empreendedora? Isso Luciano vê como um rico aprendizado. A questão foi justamente o oposto:
“A grande dificuldade foi lidar com a academia, que não reconhece o valor destes elementos e ainda nos vê como patinhos feios dentro do ambiente universitário brasileiro.”
Nem todo professor e pesquisador quer conectar teoria e prática mercadológica, mas os alunos do Luciano com certeza podem contar com isso.
Conecte-se com Luciano no Linkedin.
Obrigada por contar sua história e inspirar outras empreendedoras (es).
Tem vida pós você não chegar lá, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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→ Esta história foi 90% escrita por inteligência real, não artificial. :)