Dinheiro “infinito” é garantia de sucesso?
História de uma startup com investimentos ilimitados que não chegou lá
No. 13 — Maio, 2024.
Como gaúcha, escrevo esta edição com muita dor em meio ao que as pessoas estão vivendo. Ao final da news, nos tradicionais links, compartilho somente formas de ajudar. O RS precisa muito de qualquer apoio que você puder dar!
O começo
Elis Comenalli é especialista em marketing e vendas. Em plena pandemia, mergulhou de cabeça no ecossistema de inovação e participou ativamente da criação de uma startup no ramo da beleza. Mesmo com dinheiro “infinito”, a coisa não andou como esperado. Nesta edição, o que este fracasso ensinou. Boa leitura!
Quando era tudo verdade
São Paulo, outubro de 2020.
Imagina o seguinte: você sonha em tirar uma startup do papel; mas logo acorda para a realidade.
1 - É preciso muito trabalho - ok, isso é possível.
2 - E muito dinheiro (salvo raras exceções) - hm, aí já complica.
Em um belo dia, a parte do ‘muito dinheiro’ vira realidade. Essa é a história da Elis.
Quando conheceu um investidor que buscava alguém para tirar sua ideia startup do papel, a empolgação bateu forte.
Não seria esse o emprego perfeito?
A ideia: uma aplicativo no ramo da beleza para auxiliar profissionais a se digitalizarem e montar, na palma da mão, sua carteira de clientes.
Os recursos: praticamente ilimitados.
O novo sócio vinha do agro e queria entrar no ecossistema de inovação paulista. Montou um time enxuto e bancou a operação.
A pandemia seguia e prestadores de serviço estavam praticamente parados. Existia uma demanda por atendimentos em casa. Reduzida, mais ainda assim uma oportunidade latente na maior cidade da América Latina.
Como ajudar milhares de profissionais a usarem a tecnologia como ferramenta de trabalho? E conectar com a demanda, principalmente de mulheres, que buscavam atendimento em casa?
Elis agora fazia parte da solução.
Por diversos meses, desenvolveram um aplicativo que criava uma experiência intuitiva para clientes e fornecedores.
Refinavam o plano de negóciose as campanhas de marketing; deixando tudo pronto para o lançamento.
Elis atuava em várias frentes, de montar uma base de fornecedores a criar programas de embaixadoras. Construiu uma verdadeira comunidade, que se animava com a ideia de garantir uma renda extra em um momento tão delicado.
Criamos uma marca já adorada e que despertava confiança. Para esse público, era o máximo:
‘Eu vou voltar a ter salário. Vou trabalhar com aplicativo de atendimento.’
De um momento promissor, um plano ambicioso, uma base engajada e dinheiro para sustentar novas ideias; o encerramento do projeto um ano e meio depois.
O que essa experiência nos ensina?
Um brigadeiro no metrô e a primeira franquia
Voltando um pouco na história de Elis, seu primeiro contato com o empreendedorismo foi em 2017.
Estancou uma carreira em franca ascenção quando foi demitida de uma multinacional. Viu-se perdida e descrente com o mundo corporativo.
A oportunidade de mudar de rota veio ao acaso.
Fã de doces, provou um brigadeiro delicioso no metrô de São Paulo e teve um insight: por que não usar a grana da recisão para abrir um negócio?
Fui atrás desse fornecedor e ele microfranqueava a marca dele. Dava o ponto, o carrinho e o produto. Dependendo da estação, havia a possibilidade de impactar 2 milhões de pessoas por dia, em horário de pico.
Parecia um negócio absurdo.
No auge, chegou a ter cinco pontos. Mas o negócio nunca gerou lucro e comeu toda sua reserva financeira ao longo de dois anos.
A conta não fechava, eu troquei dinheiro o tempo inteiro. O que entrava pagava as contas. Não devia, mas mas não sobrava um centavo.
Para não falar que não sobrava, tinha meses em que sobrava R$ 50.
Quando viu a concorrência aumentar e as dívidas acumularem, decidiu que era hora de pegar o que aprendeu com gestão de negócios e atendimento ao público e, novamente, mudar de carreira.
Mergulhou no universo da inovação. O olho voltou a brilhar e Elis seguiu investindo tempo e energia em networking com startups, mentores, investidores.
Novas oportunidades surgiram e agora voltamos ao app protagonista da história.
Parando no meio do caminho
“A gente tinha um aplicativo pronto, novinho, que funcionava perfeitamente, mas que não fazia mais sentido naquele momento'“
O tempo necessário para desenvolvimento e criação de um novo negócio era esperado pelo investidor. A pandemia acabar, também.
A surpresa veio porque estes fatos se sobrepuseram. Enquanto miravam num produto infalível e no plano de marketing ideal, o mercado mudou.
Ficávamos tentando chegar na perfeição. 'Tá dando bug aqui’, ‘Ainda não vamos lançar’, ‘Pega mais dinheiro’, ‘Conserta aí…'
O investidor acatava nossas ideias. Ele também não tinha experiência, só tinha o dinheiro.
O lançamento em São Paulo foi feito tarde demais e o retorno foi baixo. Agora, cabeleireiros e manicures voltavam para o atendimento presencial e o oposto não era vantajoso nem interessante. A maior parte da base esfriou.
Elis ficou desesperada ao ver um ano de trabalho e dedicação indo por água abaixo. Não havia um plano B: nenhuma alternativa foi considerada para além do fim da pandemia.
O que eu devia ter pensado era isso: quando a pandemia acabar, o que eu vou fazer?
Dois meses depois, o investidor, frustrado, quis levar toda a operação para um estado vizinho. Lançar lá, recomeçar com outro público, trazer resultado ‘na marra’. A oferta era: seguir atuando pessoalmente na nova região ou sair. Elis escolheu a segunda opção.
Foi dolorido o processo de dar a notícia para as prestadoras de serviço que também tinham comprado a ideia.
Era como se eu tivesse mandado umas 100 pessoas embora.
Pela terceira vez, era hora de recomeçar.
Elis compartilhando suas experiências no Fuckup Nigts. Imagem: acervo pessoal.
Os aprendizados
O que você faria diferente se fosse começar um novo negócio?
Demorar tanto para lançar um produto. Perder timing de mercado pela lentidão em divulgar, colocar na rua, é um erro fatal para qualquer ideia.
O que faria igual?
Se aproximar dos clientes. Entender a dor do seu público e como você pode adaptar sua ideia para resolver estes problemas só acontece, de fato, se você tiver uma proximidade. Isso também cria uma comunidade em torno do seu universo que traz benefícios de longo prazo.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outras falhas; não as que estão nesta edição:
Aplique o conceito de “bom o suficiente”. Tem um momento em que a criação de valor estanca e vira apenas esforço extra. O retorno não vai voltar na mesma medida e aceitar este limite é importante para todo empreendedor ganhar agilidade e não escoar recursos.
Conheça a fundo todos os custos do negócio; incluindo a concorrência. Com os brigadeiros, a empreendedora descobriu no meio do caminho que o aluguel do ponto e o custo dos produtos estavam acima da média e, pelo menos, 20% poderia ser economizado.
Pense sempre no que pode destruir o seu negócio. Considere diferentes cenários futuros, mudanças de contexto e o que pode te tirar do jogo. Não seja pego de surpresa.
Estude, conheça o mercado e procure mentores. Não estar preparada ou madura o suficiente para lidar com os desafios do empreendedorismo trouxe dificuldades e dores evitáveis.
Não demore para lançar seu produto. O clássico que precisa ser relembrado sempre: em um mercado altamente mutante, demorar muito para lançar um produto pode matá-lo antes do nascimento.
O depois
“Virei mentora para ‘evitar’ que sofram por falta de instrução”
Elis se reiventou mais algumas vezes ao longo da carreira e hoje, aos 46 anos, tem muito orgulho da trajetória quando olha pelo retrovisor.
Voltou ao mercado corporativo e é gerente de vendas e relacionamento de uma empresa de multipropriedades de embarcações. Também é mentora de startups early-stage na Associação Brasileira de Startups e uma figura ativa no ecossistema.
Tomou como missão não deixar que outros empreendedores iniciantes cometam os mesmos erros que ela.
Empreendedores mais inexperientes muitas vezes só acompanham essas notícias incríveis de que todo mundo ficou rico abrindo uma startup.
Quando a realidade bate, pode ser desolador. Eu jurei que não ia deixar que ninguém sofresse o que eu sofri por falta de instrução.
Conecte-se com Elis no Linkedin.
Obrigada por contar sua história e inspirar outras empreendedoras (es).
Tem vida pós você não chegar lá, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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→ Esta história foi 90% escrita por inteligência real, não artificial. :)