Existe um Ponto de Não-Retorno?
Conversa com um pesquisador e quase doutor que explora falhas e incertezas como conceitos de gestão.
No. 15 — Junho, 2024.
O começo
Felipe Massami Maruyama está finalizando seu Doutorado sobre falhas e fracassos em startups pela Politécnica da USP. É Diretor de Operações na CIETEC, já passou pela Prefeitura e Estado de SP e tem mais de 15 anos de atuação com ciência, tecnologia e inovação. Nesta edição, seu olhar único sobre o tema, o que é a FailHub e alguns spoilers. Boa leitura!
O pesquisador e especialista em inovação Felipe Massami Maruyama. Foto: Linkedin.
O fracasso conecta
Quando você é uma das poucas pessoas do país a falar sobre lições que só o fracasso ensina, entre uma conexão e outra, coisas legais acontecem.
Uma delas é conhecer gente incrível (e bem mais inteligente que você) que também fala sobre e foi assim que cheguei até a edição de hoje.
Felipe é aficionado pelo tema e combina um olhar único, capaz de traduzir a complexidade deste contexto em poucas e certeiras palavras.
Já empreendeu, passou por órgãos públicos e privados e tem um extenso currículo na área. Destaque para Diretor Inovação no hub de inovação doGoverno do Estado de SP e atualmente diretor de operações do Cietec - Centro de Empreendedorismo, Inovação e Tecnologia, Co-Fundador e Diretor Voluntário no Instituto da Inovação, além de doutorando na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
FailTech - um spin-off prático dos estudos teóricos
Durante seu mestrado, Felipe explorou diferenças e semelhanças entre aceleração e incubação de startups. Que impacto estas experiências traziam?
Empreendedores, muitas vezes, não percebem as incertezas do ambiente em que estão inseridos ou são incapazes de agirem sobre desafios que, aparentemente, são “óbvios”. O resultado traz uma visão dissonante sobre seus negócios; deixando-os mais propensos a falhas.
Uma assimetria saltou aos olhos - e foi impossível ‘desver’ o que acontecia no ecossistema.
Buscando na literatura um aprofundamento desse fenômeno, só encontrou lacunas. Campos vazios sobre as nuances das falhas e incertezas na inovação trouxeram mais perguntas que respostas.
Assim, em 2019, surgiu a FailTech - um laboratório vida real para trocas e investigação prática sobre o tema.
O que começou com encontros pequenos, ganhou projeção nacional. Já foram 38 edições e mais de 1.750 participantes. Trazer aprendizados um tanto escondidos deu tão certo que a iniciativa evoluiu para a FailHub - “um movimento sem fins lucrativos com objetivo de compartilhar os erros, as falhas e os fracassos inerentes do processo da inovação e do empreendedorismo”, compilando também Governo, Organizacões do Terceiro Setor e Empresas. O FailTech é uma das verticais da FailHub.
Ou seja, Felipe criou uma comunidade - sua própria fonte de cases e insights - para aprofundar o debate e o conhecimento.
Nesta news, vamos focar mais na parte Tech.
O Propósito da FailTech
A FailTech é um espaço onde empreendedores compartilham abertamente suas falhas e fracassos, promovendo diálogos e conexões através de trocas mais informais.
Como o estigma em torno do fracasso é tão forte, o evento é uma ‘roda de conversa’, criando um ambiente acolhedor e confortável.
“ Quando uma pessoa fala, gera empatia. Há uma enorme pressão social sobre o tema e falar sobre isso exige cuidado.”
Para o doutorado, quantificou e analisou quase 30 cases. Não necessariamente de startups que encerraram suas atividades, mas também grandes erros estratégicos.
E aqui entra a riqueza da sua pesquisa: estuda as lógicas que aumentam a probabilidade de falhas.
E você, leitor ou leitora, ganha spoilers!
Falha e fracasso e a gestão de conhecimento no empreendedorismo
Startups operam em um ambiente de incerteza extrema. Ao buscarem escala, passam por uma fase inevitável: quando precisam transitar para uma nova lógica de negócio.
“Incerteza é o que não pode ser ponderado. São eventos particulares e singulares, impossíveis de calcular um cenário ou trazer probabilidades.
É quando tem que tentar ‘chutar’”.
Não é um estado permanente, mas é implacável:
“Brinco que esta fase que pode ser comparada à adolescência: turbulenta e cheia de desafios.”
E é neste recorte com inúmeras variáveis e combinações possíveis, que a engrenagem está mais propensa a desencaixes e erros.
Nem todas as incertezas são iguais; mas dá para categorizá-las em seu poder de influência.
Vamos a elas.
Tipos de incertezas (e também de riscos)
Em tempos de crise global, como uma pandemia, a incerteza se torna coletiva. Fatores externos que trazem mudanças no mercado e empresas podem - ou não, se adaptar. Ninguém sabe ao certo qual direção seguir, e todos tentam fazer o melhor possível em um cenário de caos e desorientação.
Algumas incertezas são individuais, decorrentes da falta de conhecimento ou recursos específicos; além da incapacidade dos empreendedores em lidar com a situação. Aqui entram elementos voluntarísticos internos, como problemas de gestão através de negligências ou falta de prioridade.
Há também graus de incerteza. Podem ser fracos, mais perto da ambiguidade; como quando o empreendedor sabe de um tema - por exemplo captação de recurso - mas não sabe como agir ou como lidar com aquilo. Ou um grau forte de incerteza, que traz dúvidas absolutas. Como a corrida pelas IAs, que podem gerar erros em dados e interpretações por um desenvolvimento incompleto e impreciso.
A percepção da incerteza varia de pessoa para pessoa. Aqui entra também um fator subjetivo, que é a forma como cada empreendedor lidará com adversidades - persistindo ou desistindo.
A relação com falhas é intrincada e multifacetada
Se as incerteza, por natureza, desafiam qualquer tentativa de prognóstico - como navegar em um mar desconhecido sem mapas, confiando apenas na intuição e na coragem; as falhas podem ser gerenciáveis.
Falhas não são eventos isolados - mas resultado de um processo cumulativo e mitigável É uma combinação de fatores internos e externos, voluntários e involuntários, que juntos, podem levar ao insucesso.
No contexto das startups, essa dinâmica é particularmente evidente quando criam “fluxos erráticos”.
Felipe está mapeando estes fluxos, que acumulam-se em decisões um tanto ‘aleatórias’ e que culminam, inevitavelmente, em erros graves.
Que fluxos erráticos são esses?
Não há uma resposta generalista, mas há correlações que podem ser feitas. O pesquisador destaca algumas:
Gestão interna, como configuração inicial dos sócios, forma de contratação, processos em áreas estratégicas.
Baixo desenvolvimento de competências ligadas à escala da operação.
Timing errado de pivotar o modelo de negócio ou de captar recursos.
Decisão de saída - não ter uma linha clara de até onde “perder”, evitando prejuízos maiores.
O Processo de Falha
Empreendedores precisam encontrar uma forma de colher evidências.
Há fatores indicativos que, somados, geram esta confluência e elevam a incidência de erros. Felipe chama isso de processo de falha, um conjunto de eventos, percebidos ou não percebidos, mas cumulativos.
Uma complexa engrenagem baseada em contexto, competências, recursos.
A capacidade de reconhecer e mitigar essas ambiguidades, e como agem sobre estes desafios, é o que muitas vezes separa os empreendedores bem-sucedidos daqueles que fracassam. A visão de túnel cria uma abordagem randômica, escoando recursos, validando o que não dá certo, empilhando frustrações.
“ A falha é gerenciável. Não é um aspecto de “ah, aconteceu”.
Em fases como esta, é comum a ação pela ação. O empreendedor nem mais sabe o que está testando, só segue fazendo.”
A ação baseada em um bom julgamento e em uma tomada de decisão sólida faz toda a diferença na trajetória de um negócio.
Empresas similares podem ter destinos diferentes com base na qualidade de suas decisões. A capacidade de julgar corretamente e agir de forma eficaz é crucial.
“Não adianta ter boa informação e mau julgamento.”
Ou seja, é crucial desenvolver o músculo da tomada de decisão.
Em última análise, entender e gerenciar as incertezas - ou potencializadores de falhas - é um dos maiores desafios que os empreendedores enfrentam. É essa habilidade que muitas vezes determina se uma empresa prospera ou sucumbe às adversidades.
Empreendedores precisam se antecipar, serem mais assertivos e evitar prejuízos maiores. Não somente de tempo, mas também custo de oportunidade e fatores psicológicos.
Mas não devem fazer isso sozinhos. Há quem possa ajudar a manter um caminho são e evitar as armadilhas e pontos cegos quando se está no turbilhão: os guardiões da estratégia.
“Muitos empreendedores ainda acreditam que podem enfrentar tudo sozinhos, sem perceber que essa falta de recursos e compreensão os deixa vulneráveis.”
Mentores como Guardiões da Estratégia de Saída
Felipe recomenda que toda startup tenha um Guardião da Estratégia, alguém cujo papel central é garantir que a realidade seja comunicada quando não se consegue mais interpretá-la.
Estes mentores devem ajudar a criar - e manter - uma estratégia de saída quando o ponto de não retorno chegar.
Vai além: mentores que falharam são ainda mais importantes. Não apenas oferecem uma perspectiva realista, mas também podem identificar sinais de que é hora de encerrar as operações quando o espelho ainda está embaçado para todo o resto.
Têm mais empatia, pois já estiveram lá e sabem o preço do processo. São eles que podem conduzir a uma saída estratégica bem-sucedida e evitar maiores perdas.
E em breve isso ganhará mais clareza.
O Ponto de Não-Retorno como um conceito administrativo
Na sua tese, prevista para o segundo semestre deste ano, Felipe quer trazer conceitos para o ponto de não-retorno que possam ser replicados em ambientes de riscos e incertezas.
Ainda está analisando os dados, mas visa apontar uma contribuição valiosa que indique um planejamento para uma saída estratégica quando isso acontece.
“ Alongar uma estada em uma startup sem perspectiva tira a chance de explorar outros cenários.
O empreendedor gastou todas as fichas e energia, mas alonga um caminho já fadado. É um tempo que custa caro, e ele não volta.”
Não são só as noites mal dormidas, mas também seguir dando tudo em um cenário que mais parece um labirinto, sem janelas e sem a porta certa da saída. Esta autora já esteve lá e a única forma de melhorar é acabar com esse jogo mais cedo.
Já sentei na primeira fila para ler esta tese, assim que publicada.
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Obrigada Felipe pela generosidade em compartilhar seu tempo e conhecimento para inspirar outros empreendedores!
Conecte-se com Felipe no Linkedin e conheça o FailHub.
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Aprende-se muito com quem ‘não chegou lá’ e precisamos falar mais sobre este assunto. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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→ Esta história foi 80% escrita por inteligência real, não artificial. :)