O fracasso como uma abordagem pragmática
História de um empreendedor serial que parou algumas vezes no meio do caminho.
No. 2 — Novembro, 2023.
O começo
Esta edição conta a história do Danilo Mendes, que fracassou 3x até co-fundar a Martello Educação Financeira - negócio que ganhou projeção nacional ao aparecer no Shark Tank Brasil. O foco maior está na empresa número três - treinamentos para certificações do mercado financeiro; que teve seu ápice em 2019 e, com o impacto da pandemia, o rumo mudou. Engenheiro de formação, Danilo traz um olhar bastante técnico sobre as lições que o fracasso traz - vale a leitura!
Danilo e Thiago no Shark Tank. Foto: acervo pessoal.
Quando era tudo verdade
São Paulo, 20 de janeiro de 2019.
A inauguração da sede própria da Você Bancário trazia, naturalmente, um ar de vitória.
Em menos de três anos, os dois sócios saíam de um quarto em casa super pequeno para um conjunto com 2 salas de aula, escritório e recepção. A localização era nobre, perto do metrô da Faria Lima.
Nos bastidores, mão na massa e muita força de vontade. Danilo fez o projeto e acompanhou a obra. Montou os móveis, um a um. A tecnologia de ponta trazia lousa e TV com tela touch, projetor, som ambiente, ar-condicionado em todos ambientes. Do chão até o teto, os custos da extensa reforma vinham do caixa. Começar uma nova fase sem dívidas é também uma baita conquista.
Um grande passo, claro. Firme, mas necessário. O sentimento cabe na mais alta estima de qualquer empreendedor: estavam no caminho certo e mudando vidas ao longo do processo. Os treinamentos formavam novos correspondentes bancários, com novos empregos e maior renda para as famílias. Eram reconhecidos e valorizados por isso.
“Na minha cabeça, era dali para cima! Cresceríamos como um foguete abraçando as aulas presenciais, o contato um a um, o olho no olho, que nossos concorrentes negligenciavam e abriam mão. Não dava para ganhar escala, mas dava para ter posicionamento e autoridade. A estratégia era bem clara naquele momento. Depois de crescermos no presencial, iríamos para o digital.”
As variáveis se encaixavam: melhoria contínua dos processos, escala de turmas e professores, materiais de qualidade, simulados robustos, plano de um app com questões comentadas.
Aí, teve uma pandemia.
Danilo, assim como eu, reinvestia o que ganhava no negócio e abria mão da vida pessoal para trabalhar aos finais de semana. Sem descanso por muito tempo, a gente sabe que a conta chega.
Quando algo impossível de controlar acontece e obriga a uma mudança de rota, como fazê-lo com pouco dinheiro e uma exaustão física e mental acomulada?
Um negócio fechado, um pivotado e o fracasso maior
Antes, voltemos nossa atenção à jornada empreendedora de Danilo. Os pontos se conectam mais à frente, prometo.
Negócio 1. Salão de beleza:
No fim de 2014, entrou de sócio num salão de beleza idealizado por 2 amigas. Era o cara dos números. Planejou cenários e fez projeções para cada um deles. A conta fechava. Contrato assinado, reformas a todo vapor, criação de conceito e branding bacanas, já de olho no potencial de franquias.
Quinze meses depois, sem atingir o ponto de equilíbrio, as sócias saíram. Danilo se viu obrigado a encerrar a operação no prejuízo.
Um dos primeiros aprendizados foi que a formação em exatas, prêmios, láureas e extensa experiência em planejamento não eram suficientes se a execução não entregava.
Negócio 2. Formação de cuidador de idosos:
Cerca de um ano depois, se aventurou novamente com um amigo em um curso para cuidador de idosos. A ideia parecia promissora, afinal, o Brasil é um país que está envelhecendo. De acordo com o site do governo federal, 10,9% da população tinha mais de 65 anos em 2022 - um crescimento 57,4% de comparado com 2010*. A primeira turma teve 3 pessoas; a quarta, 70 alunos.
O segmento de cursos de formação deslanchou. Danilo e o sócio deram um passo maior: o mercado financeiro. E aí chegamos ao negócio 3, a Você Bancário.
O público-alvo queria atuar como correspondente bancário e precisava passar nas provas de certificação. Na prática, um ticket médio mais alto em um segmento que só crescia. De acordo com a Febraban, o número de correspondentes aptos a prestar serviços para instituições financeiras aumentou 11,9% e o volume de transações cresceu 20%** nos últimos três anos.
Como mais grana girava, em poucos meses o negócio escalou e virou o principal.
A máquina girava. O ápice tinha 6 turmas simultâneas e 100 alunos.
A maior dor? As salas alugadas eram sob demanda e comiam boa parte da margem. O próximo passo foi confiar nos sólidos resultados de crescimento e apostar numa sede própria, para escalar o negócio e dominar a concorrência.
Quando estava chegando lá
2019, Faria Lima / Pinheiros. O centro financeiro da maior e mais rica cidade do país ganhava mais um endereço.
Na Rua Pedroso de Morais, quase na esquina com a Teodoro Sampaio, a Você Bancário decolava.
De espaços alugados, muitas vezes sem uma garantia mínima de qualidade, para ambientes confortáveis e com tecnologia de ponta. Da permanente troca de endereço que confundia alguns alunos, a uma localização privilegiada.
Os dois sócios mandavam um recado claro: “nós vamos buscar a liderança”. O alto índice de aprovação dos alunos e a receita recorrente reforçavam esse objetivo.
Haviam desafios, claro. O esforço grande de vendas parecia ser compensado com lotação máxima das turmas e lista de espera.
A operação tinha duas turmas noturnas, duas turmas aos finais de semana, aulas de reforço, +10 professores especialistas fazendo rodízio, 2 assistentes comerciais. De um quarto apertado no apartamento alugado onde um dos sócios residia, com apenas 9 carteiras escolares usada, para R$ 60.000/mês, e crescendo.
O ano de 2019 terminou com:
Alto índice de satisfação
Muitas aprovações dos alunos
Dinheiro em caixa
Faturamento recorrente
Planos para crescer ainda mais, agora buscando escala no digital.
De uma sala pequena, alugada e com poucos recursos; para sede própria com espaço e tencologia de ponta. Fotos: acervo pessoal.
Parando no meio do caminho
O endereço era uma boa ideia para vender o potencial da empresa. Mas, naturalmente, aumentava os custos fixos com uma nova linha de risco: os sócios dobravam a aposta no presencial.
2020 começou com planejamento realista e consistente. O alto índice de qualidade abriu oportunidades para treinamentos in-company. Além disso, de forma estruturada, começariam o projeto de escalar para o digital.
Março. Tudo estava rodando, não fosse o cenário imprevisível que acabou com o modelo de negócio presencial. Provas de certificações suspensas, bancos em recesso, o mercado parado, a demanda inexistente.
A eventual migração para o digital precisava de tempo, experiência e uma considerável ingestão de capital.
Quando há uma pausa forçada, o que fazer? Danilo mergulhou nos estudos - mercado, liderança, negócios - para ganhar clareza. Um ponto chama a atenção, sobre como diferentes perfis impactam o negócio e, com isso, também moldam raias que vão definir um futuro:
“A área de educação financeira tem uma vertente que fala em finanças comportamentais. Em simples palavras: estuda os vieses do comportamento humano, principalmente relacionados ao dinheiro. Alguns se encaixam muito bem no perfil do empreendedor:
- O super otimista, que acha que tudo vai dar certo, para todo mundo, em todos os cenários.
- O confiante excessivo: pode dar errado pros outros, mas não pra mim por que eu sou muito bom e a empresa é muito boa.
- O que cai na armadilha da confirmação e considera apenas informações que vão confirmar o que se busca.
- O que cai na falácia dos custos irrecuperáveis - evitando decisões difíceis pela falsa sensação de segurança. A grana que precisa para agir não vai voltar e o status quo é mais garantido.
Em um determinado momento, as visões de negócio e estratégias ficaram muito diferentes. Danilo percebeu que as discussões estavam mais voltadas a medir força e a provar quem estava certo, impedindo não só o crescimento do negócio, mas de tudo o que estava envolvido ali.
Saiu.
A empresa ainda existe, mas com um novo modelo de negócios e posicionamento diferente.
Era, novamente, hora de recomeçar.
Os aprendizados
O que você já fez diferente no seu novo negócio?
Uma radical desromantização do empreendedorismo. Danilo é categórico: essa visão prática é necessária para ter o pé no chão e não desconectar dos reais desafios. As falas sobre propósito, ir atrás do que se ama, exemplos de quem chegou lá podem iludir. A prática não funciona em 100% dos casos e no Brasil isso ainda é uma realidade distante, infelizmente (como trouxe no meu primeiro post aqui). Tem que jogar com as regras do jogo, e não com o que se cria num imaginário ideal.
O que faria tudo de novo?
Aceitar o fato que as pessoas mudam conforme as circunstâncias, sejam elas pessoais ou profissionais. A dica é nunca ter medo de conversas desafiadoras e realinhar quando as coisas estão fora de rota.
Interconectado, tem o ponto fundamental que é um acordo de cotistas; de preferência criado no início, ainda com as relações íntegras. Defina regras e documente todas as decisões.
“Um contrato social é público e qualquer um pode saber dos termos; mas o acordo de cotistas não. Ele serve pra tópicos confidenciais, como retiradas, votos, vetos, decisões, responsabilidades. É preciso discutir todo e qualquer ponto estratégico. Por mais que você tenha se preparado academicamente, tenha feito cursos, tenha estudado o comportamento do outro; quando você está no game, é tudo muito diferente.”
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
Controle x influência x limite. Danilo usa este framework como mantra. “Só controlo as minhas ações (quase sempre), não a dos outros. O que consigo influenciar? Consigo mudar a decisão do outro? Se não controlo nem influencio, ou eu aceito ou saio.”
Saiba seu stop loss. Tenha clareza do seu limite sobre dinheiro, tempo, energia e saúde. Até onde você está disposto a se comprometer e qual a linha de riscos que não vai cruzar? Alinhe e evite muitas dores de cabeça e economia de tempo em discussões futuras.
Não tem que ser fácil, tem que ser feito. Nunca atrase uma ação porque é complexa e parece difícil. Se tem que ser feito, seja ágil, coloque um MVP na rua e siga iterando.
Custo de oportunidade para a tomada de decisão. A partir do momento que você escolhe uma coisa, não escolhe outras infinitas possibilidades. Parece óbvio, mas se sua cabeça não foca no que foi decidido; as coisas que importam vão escoar pelo ralo.
Não ter apego a CNPJ ajuda na sua sanidade mental. Muitas vezes foi uma jornada de sucesso que não terminou como se imaginava. Dá pra guardar o que foi bom e aceitar que isso faz parte da pessoa que você é hoje. O que não serve mais, deixe para trás.
O depois
“Coisas boas terminam para coisas melhores acontecerem”
Danilo hoje é sócio da Martello Educação Financeira, edtech e fintech de educação e planejamento financeiro, responsável pela gestão da empresa. Dá mentorias e aconselhamento para micro e pequenos empreendedores, levando sua bagagem acadêmica e profissional para melhorar performance e gerar valor.
Também é um agitador do ecossistema, mais por trás dos panos. Atualiza pouco as redes sociais, mas gerencia um grupo no whats com mais de 1.000 pessoas onde rolam negócios, oportunidades e muita troca.
Conecte-se com Danilo no Instagram @aqueledann e LinkedIn. Assista o episódio do Shark Tank no link.
Obrigada pela generosidade em contar sua história. E obrigada a quem leu até aqui. :)
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Uma maionese tem que ter um propósito? Insights valiosos sobre branding no post da
. 💡Você precisa mesmo captar dinheiro? Investidor também é sócio, só que muita gente esquece. 👔
Relatório da WGSN sobre os clientes do futuro: a geração Alfa, que está dando seus primeiros passos. 👶🏾
Um mapa bem detalhado sobre como pensar de forma estratégica, e não preguiçosa (em inglês). 🧠
Ninguém está nem aí pra você e isso é uma boa notícia. 🗣️
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*Em 2022, 22.169.101 tem 65 anos ou mais no país, 10,9% da população. Em 2010 o número era de 14.081.477, 7,4%.
**O número de empresas que prestam este serviço foi de 118,4 mil para 210,6 mil. Número de trasnsações financeiras saltou de 4,5Bbi para 5,8bi.