O fracasso em um contrato milionário
História de quando a sensação de "chegar lá" foi um instante passageiro.
No. 5 — Janeiro, 2024.
Bem-vinda(o) à primeira edição do ano! 🎉 Tenho amado dedicar meu tempo* a escrever histórias, ressignificar a palavra fracasso e inspirar outras pessoas. Empolgada para ver o que as próximas vão nos contar.
O começo
Michel Costa é empreendedor, mentor, palestrante, investidor e um dos principais nomes do ecossisema de inovação no Rio Grande do Sul. A expressiva trajetória também passa por fracassos e trocamos uma ideia sobre estes aprendizados valiosos. O principal? Logo após fechar um contrato milionário - que impulsionaria exponencialmente sua empresa de gestão de frotas; ficou pelo meio do caminho. Como? Acompanhe na edição de hoje. Boa leitura!
O empreendedor Michel Costa. Imagem: Linkedin.
Quando era tudo verdade
Porto Alegre, março de 2011.
Michel estava no caminho para revolucionar a gestão de frotas no Brasil. Co-fundou a MZM Techno oito anos antes, numa época onde o termo startup não era lá muito difundido por essas bandas**. E foi chegando cada dia mais longe.
Idealizou o primeiro gerenciador de tráfego do país. Uma versão aprimorada dos tacógrafos extremamente ruins na época. Se você, assim como eu, não tem muita idea do que isso é e para que serve, um resumo breve:
O tacógrafo é utilizado em veículos para registrar informações sobre sua condução. Algumas categorias como transporte de passageiros, veículos de cargas e ambulâncias são obrigadas por lei a ter esta espécie de caixa preta que garante o cumprimento de regulamentações, como tempo de direção e de descanso.
O dispositivo trazia inovação e tecnologia: identificava o motorista, origem, destino, velocidade, marchas. Entregava um relatório completo de quilometragem, consumo de combustível, gestão dos motoristas, tempo e folha de pagamento.
Quando começaram a vender, deu tudo muito certo. Micheu tinha domínio da indústria e da complexidade da operação. Em poucos anos, já tinham mais de 5.000 veículos gerenciados através de contratos com grandes empresas nacionais.
Confiante, queria dobrar a aposta. A década acumulada empreendendo e o talento comercial descoberto no meio do caminho deram o gás para rodar o país apresentando o produto.
Imagem: acervo pessoal da primeira venda realizada, em 2004.
Resolviam um problema claro e encontravam um enorme mercado em potencial.
Até que algo aconteceu.
Muitos empreendedores passam a vida sonhando com um momento como este - em que uma grande venda acontece e muda o patamar da sua empresa. É o começo de uma nova fase.
Michel acabara de fechar um contrato com a maior empresa de gestão de benefícios do país (abastecimento, transporte e alimentação) e isso duplicava a frota gerenciada. Somariam 10.000 veículos geranciados naquele ano.
Um salto tão exponencial quanto ousado. Mas era a hora de acelerar.
Só que, poucos meses depois, Michel saía da empresa e deixava o sonho de “chegar lá” para trás.
O que aconteceu para essa mudança drástica de direção?
Empreendendo em diversas frentes, até mudar a rota
A mentalidade empreendedora começou na juventude, com uma reviravolta que marcou a família inteira: seu pai perdeu o emprego até então aparentemente estável e, com isso, o pilar que sustentava a família.
Esse episódio marcou profundamente Michel, levando-o a questionar a segurança de depender de terceiros. Despertava um desejo de controlar seu próprio destino e ainda adolescente começou com bicos vendendo salgados. Foi vendo oportunidades em tudo e nunca mais parou. A primeira experiência CLT já resultou na primeira empresa criada.
Cursava técnico em eletrônica, em Passo Fundo/RS, ainda na era pré-internet e começou a trabalhar em um hospital com manutenção de equipamentos médicos.
O ponto de virada aconteceu quando Michel viu além do status quo. Explorando o mundo dos negócios, começou a consertar equipamentos também fora do horário comercial. Esta primeira empresa deu muito certo e em pouco tempo abriu três filiais.
E quis mais:
Se conserta equipamentos, por que não vender? Uma nova empresa de vendas foi criada, e também cresceu.
Se presta manutenção e comercializa, porque não fabricar?
E foi se aventurar na indústria: queria produzir equipamentos médicos. “Tudo nosso! Não tem como dar errado”, pensava.
Os sócios queriam manter as coisas. Afinal, se estava tudo bem, por que arriscar? Para Michel a conta não fazia sentido. Se tinha oportunidade, queria crescer mais e mais.
Vendeu sua parte nas empresas de vendas e manutanção e ficou com a de indústria de eletroeletrônica.
A nova empreitada encontrou a enorme complexidade da área médica e Michel precisou pivotar. Foi para gestão de produção, painéis de controle e um computador de bordo para um projeto de rali. Mas viveu tempos áridos.
“Me sentia um super-herói indestrutível. Já tinha feito de um jeito e deu certo, era óbvio que daria de novo…
“ …Mas vendi as certas e fiquei com a errada”, afirma sobre um das primeiras duras lições que aprendeu.
Começou a acumular dívidas. Somado à isso, a vaidade e um receio enorme em ser julgado como despreparado - ele não poderia “dar errado” - tornaram as coisas ainda mais difíceis.
Como lidar com isso agora? Viveu quase dois anos de “desgraça total… fazia parte de todas instituições de quem está negativado”. Mas era hora de recomeçar.
Articulo aqui com o famoso discurso de Steve Jobs para os alunos de Standford. "Você não pode conectar os pontos olhando para frente; você só pode conectá-los olhando para trás…e precisa de algo para acreditar”. Experiência, resiliência e protótipo de computador de bordo o conectavam ao próximo capítulo.
Michel rodava o país apresentando seu produto. Imagem: acervo pessoal.
Parando no meio do caminho
Quando lembrou do computador de bordo que desenvolveu no passado, Michel estava de volta ao mercado de trabalho.
Mas, em essência, ainda era um realizador. E tinha uma visão.
Passou noites em claro desenvolvendo um protótipo, fez milhares de testes até chegar a hora de testar o mercado. Buscava um comprador em potencial e encontrou algo um pouco inesperado: um investidor-anjo.
O novo sócio achou o produto imprestável. Foi a trajetória de Michel e sua obstinação que chamaram a atenção. Ele queria “comprar” o empreendedor.
Corta para Michel tendo sua operação bancada por 12 meses. E poucos anos depois, o gerenciador de tráfego já era um case de sucesso presente em cinco mil veículos pelas estradas nacionais.
O coração da história com o contrato que mudou tudo:
Uma venda estratosférica, um filmezinho de um futuro glorioso passando pela cabeça e assim lá foi Michel, eufórico, fazer uma ligação para anunciar o feito.
Do outro lado da linha, o tom era outro.
O sócio falou que não assinaria, não fecharia este contrato. Michel por alguns segundos precisou respirar fundo e se conter. Como? Os números não importavam?
Havia um risco na proposta: aumentar estoque, produção e alocar alguns recursos de forma antecipada. O sócio foi firme na decisão de não arriscar.
Um tanto revoltado, só pensava que “ou ele assina, ou eu saio da empresa”. Sua versão mais jovem, daquele passado de invencibilidade que precisa dar certo a qualquer custo, cedeu espaço à prudência. Lembrou que “quando a gente fica brabo, a gente fica burro” e esperou esfriar a cabeça e conversar pessoalmente.
O revés trouxe à tona reflexões sobre poder econômico e autonomia. Michel era a pessoa técnica e operacional, e o sócio tinha a maior parte do capital. Se viu desarmado, meio perdido. Lembrando também do seu pai, e da amarga experiência de ter o destino na mão de terceiros. Entendeu que isso, dessa forma, ele não queria mais.
Com a oposta visão de negócio, e para evitar maiores desgastes, optou por sair.
No campo das possibilidades - no “e se?” - estaríamos falando de milhões. Na prática, não tem como saber. Só existe a realidade e estando muito, muito perto de um salto exponencial que poderia contar uma história bem diferente, Michel deliberadamente escolheu ficar pelo meio do caminho.
“Se tivesse seguido, talvez a cicatriz seria maior. Saber parar também é importante”, afirma hoje, sem nenhum arrependimento.
Michel junto ao ecossistema da Founder Institute, no qual é Diretor do Capítulo do RS. Foto: divulgação.
Os aprendizados
O que você fez diferente quando recomeçou após a MZM?
“Aprendi a desconfiar da certeza”. Essa constatação o levou a uma reflexão pragmática: quando a confiança é excessiva, é essencial duvidar dela.
Hoje, Michel se pergunta uma, duas três vezes - em diferentes momentos, sob diferentes ângulos, para colocar à prova se um caminho é mais indicado ou mais seguro que os outros.
O que faz e faria tudo de novo?
Esta coragem inabalável de encarar o desconhecido e desafiar seus medos. “É preciso também um pouco de insanidade para ser um empreendedor”, diz encarando corajosamente o próprio passado.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
1. Busque mentores. Não cerque-se somente de opiniões conhecidas. Peça insights de quem sabe mais que você e considere os diagnósticos recebidos. Podem ser duro e matar o teu sonho, mas podem também te dar caminhos.
2. O amanhã não é garantido. O que nos trouxe até aqui, não vai nos levar para o futuro. Pode soar clichê, mas vale repetir incansavelmente: o futuro tem mais controle do que nós.
3. Não relaxe. “Estatisticamente, 80% dos acidentes de carro acontecem nos últimos 30km, quando você relaxa. É natural, quando faz muito tempo que tá tudo certo, a gente se distrai. Só que aí não vê o problema chegar”.
4. Deixe o rótulo para os outros. Não permita que os outros definam seu percurso com base apenas nos resultados que elas mesmo esperam. “A diferença do corajoso para o irresponsável é o sucesso. Se der certo é corajoso, se não, irresponsável.”
5. Busque uma jornada autêntica. “Criaram uma ideia de que startup é uma instituição de comercial de margarina. Esse é o alvo a ser alcançado”. Fuja desta posição e foque em construir seu negócio dentro das suas possibilidades.
Bônus:
6. Aprenda também enquanto erra. Devido a uma falha, Michel passou dezessete madrugadas retirando equipamentos de 40 ônibus. “Não era um autoflagelo… eu ia com ódio e pensava que, toda vez que lembrasse, seria um aviso que os erros também têm consequências físicas”. E trabalhou ainda mais pra evitar repetir a situação.
O depois
“O fracasso também tem uma função de humanizar”.
Michel não glamuriza o fracasso, longe disso. É que o tempo, um dos principais cicatrizantes de revéses assim, já deu muitas voltas em torno do sol. Tudo está devidamente processado e transformado em história.
Mas vê sim seus exemplos como um lembrete sólido de cultivar a sobriedade e um sentimento anti-invencibilidade. Enxerga o fracasso como um professor incansável e não um inimigo a se evitar, com um papel educativo em matéria de saber falhar, sofrer, errar, aprender e evoluir. “Se a gente não perder, não aprende a valorizar as vitórias”, afirma.
Se reconhece na construção, na mão na massa e no potencial transformador que boas ideas e soluções trazem. Hoje, é executivo de uma fintech americana, além de ocupar posições de conselheiro em diversas startups e hubs de inovação. Também reserva uma fatia generosa de seu tempo para mentorar outros empreendedores: “Adoro tentar evitar que passem pelo que passei; tento impedir alguns sofrimentos”. E, claro, sem perder de vista o tempo dedicado à esposa e às duas filhas, suas maiores fontes de orgulho.
Conecte-se com Michel no LinkedIn.
Obrigada por compartilhar sua história e tantas lições valiosas que vão inspirar outras pessoas!
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem! :) )
Nati.
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* Ninguém perguntou, mas vou falar mesmo assim 😆. Entre preparação, entrevista, escrita, pesquisa, edição e revisão, tenho gasto pelo menos 10 horas por história. Tem sido um pouco mais pesado do que planejei inicialmente. Equilibrar 40hrs semanais no emprego que paga minhas contas, com toda a vida acontecendo tem sido o desafio do ano. Mas vou seguir firme e forte porque é aqui que me realizo. :)
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** O termo startup começou a ser difundido em 1990, no Vale do Silício. No Brasil, começou a ser usado no estouro da bolha .com, entre 1996 e 2001; mas ainda nichado. Pesquisando no Google Trends, o termo comecou a crescer em buscas em 2013, atingindo um pico de interesse em 2019.