O fracasso pós sucesso instantâneo de um e-commerce
História de um blog referência em seu nicho e a loja virtual que fechou em poucos meses.
No. 6 — Janeiro, 2024.
O começo
Ale Spinosa é fundador e CEO em uma HRTech, mentor e conselheiro de startups, professor e ex-executivo de RH. Mas as paradas da(s) história(s) de hoje são no passado; capitaneadas por um e-commerce com tudo alinhado para o sucesso. Por que uma loja virtual que, em seu lançamento, vendeu 1.000 unidades quando planejava vender um décimo disso, fechou em apenas 3 meses? Acompanhe na edição de hoje. Boa leitura!
O empreendedor Ale Spinosa. Imagem: acervo pessoal.
Quando era tudo verdade
São Paulo, de 2011.
Se você era um jovem navegante desbravando a internet discada lá pelos idos anos 2000, sabe bem que a web viveu alguns apogeus antes das dancinhas virais alçarem pessoas à fama instantânea.
Teve uma época em que era preciso teclar, e teclar muito! Conteúdo em texto era imperativo e… chegamos aos blogs; a vanguarda da criação de comunidades em torno de interesses específicos.
Seja lá qual fosse a sua praia, você encontrava sua turma. Aficionados por carros em miniatura tinham um www cativo, pois certamente conheciam o blog protagonista desta história*.
Pioneiro, tinha dezenas de milhares de acessos mensais e era a maior e principal fonte do assunto no país. Vinha aí um lançamento? Grandes chances de ler o furo por lá.
Uma amizade de 20 anos conectava o influenciador e Ale, que acompanhava de perto o sucesso da empreitada:
“Era um dos blogs mais famosos, absolutamente consolidado em termos de conteúdo e audiência. Tinha conexões com todos os fabricantes mundiais e acesso às principais novidades em primeira mão”, afirma.
Em paralelo, o empreendedor busca uma oportunidade perfeita: queria aventurar-se no mundo dos negócios. Estudou de curiosidade o nicho de carros em miniatura que, para sua surpresa, era já bilionário ao redor do mundo e ainda incipiente por aqui.
A boa notícia? A fiel audiência além de consumir todo e qualquer conteúdo sobre o assunto, também tinha dinheiro para consumir. Produtos que atraiam desde os entusiastas mirins e seus Hot Wheels; a colecionadores de sofisticados carrinhos com cifras na casa de milhares de reais.
Havia outros ativos valiosos na equação: reputação, conteúdo e audiência. Entusiasmado com o potencial de crescimento, um belo dia soltou o pitch para o amigo.
Se o mais desafiador ele já tinha - uma audiência sólida, uma página consolidada nos mecanismos de busca e a referência no setor; por que não expandir e monetizar em novas frentes?
“A ideia foi absolutamente perfeita”, afirma. Chamou um terceiro amigo e entraram como investidores-anjo. Compraram estoque e montaram uma operação redondinha.
O e-commerce com os carrinhos em miniatura que o blog era referência em descrever e comentar estava prestes a inaugurar.
No dia do lançamento, seguindo o minucioso plano de negócios, a expectativa era fazer cerca de 100 vendas.
“Em apenas 24 horas, recebemos mil pedidos. Foi avassalador”.
Além da surpresa, a empolgação: os sinais estavam claros que haviam encontrado um tesouro.
O cenário pareceu perfeito. Um mercado promissor, uma audiência ávida e uma estreia estrondosa.
Por que, então, a loja virtual encerrava as vendas apenas três meses depois?
Imagem Ilustração. Fonte O Globo, Foto: Hudson Pontes
A segunda parada, ainda sobre rodas
Dos carrinhos no mundo virtual, para a vida real em um food truck em 2014
Ale cresceu ouvindo as histórias de sucesso e superação de seu bisavô empreendedor; somadas aos desafios enfrentados pelas gerações seguintes; que fecharam o negócio. Por muito tempo manteve o desejo de empreender um tanto adormecido.
“Fiquei anos na vida “cômoda” da CLT, no sentido de estabilidade e segurança mesmo. Mas não necessariamente é a melhor forma de desenvolvimento pessoal. Como alguém de RH, sempre persegui ter projetos em paralelo por esta razão.”
Três anos depois de sair do e-commerce, uma nova oportunidade surgiu após o nascimento dos gêmeos do casal: a esposa queria deixar o mundo corporativo e começar um negócio próprio.
Estudaram o mercado e uma nova empreitada começou a tomar forma.
Em 2013, a prefeitura de São Paulo liberou food trucks a operarem sem restrição de local. Essa flexibilidade fez o setor acelerar e o ano seguinte tornou-se o auge dos restaurantes móveis na cidade** - e no país. A ideia de fazer uma boa refeição fora de casa e por um preço mais acessível ganhou as ruas.
O casal estudou o presente e planejou o futuro.
Ale, assim como esta que vos escreve, é celíaco e não acha tão simples encontrar comida adequada fora de casa. A esposa sempre gostou de cozinhar e estudava muito sobre receitas saudáveis e sem glúten.
O cenário da época era dominado por food trucks de fastfood: hamburguer, pizza, pastel… Que tal então apostar em comidas saudáveis? Novamente as coisas se alinhavam em uma possibilidade promissora.
Ale montou um plano detalhado de negócios e considerou um fator crucial que vale o destaque: o que acontece após o auge de algum setor?
O fenômeno dos food trucks se popularizava, era novidade, atraia a atenção. Mas também é natural observar um declínio, um ou dois anos depois, quando a onda passa. Isso porque muita gente abre negócios para aproveitar a alta na demanda; mas sem muita experiência naquele tipo de operação. A continuidade e sustentabilidade é um desafio árduo.
Se você reside em grandes centros urbanos, provavelmente testemunhou algo semelhante com as paletas mexicanas e as barbearias, para citar apenas dois exemplos.
“Previmos que muitos iriam fechar após o ápice. Também, porque vinha aí um desaquecimento na economia. Nos preparamos para aguentar firme e sobreviver à onda; sairíamos fortalecidos.”
No início, a operação estava alinhada com o planejamento. A curva de crescimento começou a acelerar e ser o diferencial saudável deu resultado.
Além de operar na rua, em parceria com estabelecimentos como academias, grande parte da receita vinha de eventos. Os pedidos fluíam e, com a crescente demanda, chegaram a contar com cinco colaboradores.
Só que pelo quinto, sexto mês o revés econômico bateu forte e a impactou drasticamente as vendas. O custo da operação ficara muito alto. Somado a isso, uma nova regulamentação municipal agravou ainda mais a situação. Os meses seguintes foram de análises aprofundadas, projeções cautelosas e a necessidade de tomar decisões difíceis.
Até onde estariam dispostos a ir? Quanta perda financeira iriam arriscar?
Oito meses depois, a operação encerrou. E agora as duas histórias se encerram de forma conjunta.
Parando no meio do(s) caminho(s)
Aprendizados que se repetem e novos adicionam-se à lista.
Ale compartilha insights valiosos com o que aprendeu ao decidir parar no meio do caminho nestes dois negócios.
E-commerce de miniaturas:
A tese estava correta, o mercado era promissor e dominado pelo blogueiro. No entanto, tropeçaram na execução.
“Na época nos olhamos com aquela certeza de: “Caramba, encontramos um negócio. Mas a euforia durou muito pouco”.
No plano inicial, enviar e gerenciar 80 a 150 pedidos na semana era possível. Com o estouro, o amigo começou a se perder, atrasar pedidos, não atender as reclamações dos clientes.
Os dois investidores não participavam do dia-a-dia da operação, mas interviram para ajudar e contrataram mais pessoal. Passando aquele pico da novidade, o fluxo continou ainda maior que o planejado: 200 a 300 pedidos semanais. Deixaram novamente tudo redondo para fazer a coisa funcionar.
Quando se retiraram, a coisa estacionou. Os problemas persistiam em todas as áreas; de confirmar o pedido à enviar o código de rastreamento. O criador de conteúdo tornado empreendedor quis centralizar tudo e demitiu as pessoas.
O lucro absurdo nos primeiro mês tornou-se insustentável quando ele não conseguiu mais entregar, nem aceitar ajuda. As reclamações aumentaram e havia uma enorme resistência em fazer diferente.
O negócio, assim como explodiu rapidamente, implodiu na mesma velocidade.
“Ele não era um gestor ou um vendedor de e-commerce. Ia contra a essência dele. Decidimos sair da sociedade por que não se sustentava.”
Persistir na ineficiência, mesmo com investimentos financeiros, é trilhar um caminho perigoso e Ale entende como acertadíssima a decisão de sair cedo.
O restaurante móvel:
A realidade bateu de frente e, com a grande recessão que atingiu o país em 2014, muitos estabelecimentos comerciais fecharam as portas, incluindo parceiros estratégicos do negócio. A inflação e a desaceleração econômica impactaram diretamente o consumo fora de casa, diminuindo também o fluxo nos eventos.
O segundo revés foi a nova lei municipal que revogou a decisão inicial de livre circulação. Até então, o estabelecimento móvel poderia operar em qualquer lugar. Após a lei, subprefeituras da região determinariam onde estacionar - incluindo lugares com baixa circulação de pessoas ou um público-alvo que não era o do negócio.
Internamente, também enfrentaram problemas. Um food truck tem um dia-a-dia de restaurante, afinal, e não fica menos complexo. Manter uma produção industrial era duro, exaustivo e desafiador. A esposa acordava 5h para o preparo dos alimentos; e os eventos iam até dez, onde da noite. Com a crise, os insumos aumentaram e o equilíbrio começou a pesar.
Na prática, a complexidade foi maior que o imaginado. A falta de previsibilidade no cenário econômico levou à necessidade de injetar mais dinheiro no negócio. O casal, inicialmente disposto a enfrentar os desafios, se viu diante de um dilema.
Refazendo projeções, avaliando pivotar e consultando especialistas, entenderam que colocar mais capital era arriscado frente a tantas incertezas. A decisão de encerrar foi tomada por ambos os sócios. A relação do casal, felizmente, saiu fortalecida***.
“Em comparação do primeiro para o segundo négocio, acertei em um plano estratégico detalhado e também na escolha da sócia. Mas errei em, novamente, entrar num mercado que não dominava.”
Os aprendizados
O que você fez diferente quando recomeçou após as duas experiências?
Investir em algo que se conhece bem.
Ale entrou por duas vezes em terriórios desconhecidos. Pouco sabia sobre carrinhos em mintiatura, mercado de influência e e-commerces; tampouco no universo de restaurantes e alimentação. São muitas novas variáveis para aprender, gerenciar, dominar. A que também requer muita energia alocada em curvas de aprendizado.
E o que fez igual?
Plano de negócio e escolha dos sócios.
Na sua startup atual, colocou em prática um plano de negócio impecável, fundamentado não só com base na experiência na digitalização de RH que teve ao longo da carreira, mas também no que testou e validou no mercado, apoiado por um conselho consultivo desde o dia 1.
Sócios e parte da equipe são ex-colegas de trabalho e todos conhecem muito bem as dores da área e a solução robusta que oferecem. Isso trouxe estabilidade, entrega e resultados desde muito cedo.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
É preciso estar preparado. Você pode ter uma ideia incrível, uma audiência consolidada, dinheiro para investir e processos no lugar. Mas sem as pessoas certas para tocar o desafio, você não tem nada.
A complexidade da operação vai além do plano de negócio. Antecipar, mapear e estudar a fundo todas as engrenagens operacionais que mantém um negócio em pé é um item instransferível.
Não dependa de nenhuma regulamentação. Se a empresa estiver atrelada a alguma lei para avançar ou continuar existindo, você assume um risco vital do qual tem pouco ou nenhum controle.
Não invista em algo que não é sua expertise. A falta de conhecimento aprofundado sobre o mercado traz situações inesperadas e desafios imprevisíveis.
Construa um conselho consultivo. Estabelecer uma estrutura consultiva nos primeiros meses de operação não só valida a estratégia, mas também desafia pontos cruciais. Você fica mais seguro na direção que está indo.
O depois
“Se eu tivesse aberto minha atual startup há 10 anos atrás, com certeza teria quebrado.”
Vale destacar que, mesmo nutrindo um desejo latente de empreender, Ale aguardou nove anos antes de se lançar novamente.
Refletiu sobre os aprendizados, continuou a se aprimorar e, em determinado momento, percebeu que era a hora certa: tinha mais maturidade, experiência e a coragem necessária.
Hoje, põe toda sua experiência de mais de 28 anos como executivo de Recursos Humanos em empresas como Natura, Pepsi e Carrefour na startup 3Clicks RH - um SaaS que digitaliza todos os processos transacionais e operacionais de RH. Vê nas suas duas histórias de insucesso uma base fundamental para o sucesso que vem construindo a cada novo cliente fechado.
“É meu novo projeto de vida e tô muito feliz em re-construir minha trajetória profissional”.
Obrigada por compartilhar sua história e inspirar outros empreendedores!
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Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
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Por que os avatares das empresas são sempre mulheres? Matéria da Forbes com algumas informações um tanto impactantes. 👩🏾💻
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10 paradoxos que mudaram a vida do escritor Sahil Bloom (em inglês). ♾️
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*O nome não foi divulgado a pedido do nosso entrevistado
** A cidade chegou a ter 400 food trucks** e, em 2017, o número já caíra pela metade. Fonte: Guia Food Truck.
*** Estou melhorando a forma como apuro e conto histórias e trago essa informação porque imagino que o(a) amigo(a) leitor(a) possa sentir a mesma sensação que eu tive enquanto escutava o empreendedor. “Só espero que o casal tenha tido um final feliz… não me diz que fecharam o negócio e acabaram o casamento?”, pensava. Este trabalho é, antes de tudo, sobre pessoas e torço muito por todas elas. <3