O primeiro super 100% digital do país
História do Zipp e de um exit que não foi bem um sucesso.
No. 23 — Outubro, 2024.
(A FailWise completa 1 ano este mês! 🎉 Finalmente tomei coragem de começar a contar as histórias em vídeo e você pode acompanhar no TikTok e Instagram. Vou adorar te ver por lá).
O começo
Adrian Tsallis é empreendedor, consultor e palestrante de inovação. Fundou o primeiro supermercado 100% online do Brasil e, apesar de um exit, considera ter parado no meio do caminho. O que aconteceu e quais os aprendizados? Acompanhe na edição de hoje.
O empreendedor Adrian Tsallis. Foto: acervo pessoal.
Quando tudo era verdade
Rio de Janeiro, junho de 2020.
A operação do primeiro supermercado 100% online do país não conhecia pausas. Fundado em 2013, o Zipp rodava praticamente 24 horas por dia, 7 dias por semana, com uma precisão quase cirúrgica.
Ousava enfrentar os gigantes do mercado carioca — e do país — e estava no caminho certo. A eficiência era um imperativo e os clientes gostavam disso. Imagina gerenciar com sucesso mais de 5.000 produtos sendo que a única forma de compra é por um aplicativo que entrega na sua casa?
Durante a pandemia, um grande teste: em três meses, os pedidos dispararam. A média de 40 por dia saltou para mais de 200. Um crescimento de 5x sem qualquer aviso prévio, com faturamento passando do milhão. Isso poderia ter quebrado a operação, mas a startup estava pronta para o desafio.
“Foi o mais perto que cheguei de ficar maluco.”
Adrian havia construído uma estrutura verticalizada e robusta, já pensando na escala. Quando a onda da pandemia bateu, parecia que tudo estava pronto, encaixava. Funcionou, e sem perder a qualidade.
Os clientes amavam o serviço e a performance do time era invejável. O tempo de separação e entrega só caía. Os pedidos eram separados em impressionantes 3 minutos e meio — a qualquer hora da madrugada. Para ter uma ideia, a concorrência levava cerca de 15.
"O modelo foi colocado à prova e brilhou. Provou que a estrutura era robusta, sólida e capaz de aguentar o tranco."
Então, por que a venda da empresa meses depois, não foi considerada um sucesso?
Como alguém decide fundar um supermercado
Adrian é engenheiro e nunca atuou na área. O impacto da faculdade ficou em aprender a encarar problemas complexos, quase impossíveis de resolver, quebrando-os em partes menores e palatáveis.
A tecnologia foi a forma de aplicar isso à realidade. Também trouxe os dois futuros sócios especialistas em logística, que conheceu enquanto gerente de projetos na Souza Cruz.
Antes do Zipp, Adrian também passou uma década como headhunter; movido pela sua curiosidade irremediável.
“Por 10 anos fiz o MBA mais valioso da minha vida. Conheci pessoas interessantíssimas e poderia perguntar o que quisesse sobre tocar uma empresa.”
Após recrutar mais de 10.000 executivos para posições de alta e média gerência, entendeu que ganhou uma visão privilegiada sobre negócios.
Foi então que, aproveitando todo conhecimento e experiência acumulados, decidiu que era hora de ir pro outro lado da mesa e arriscar-se no empreendedorismo resolvendo dores que enfrentando dores que conhecia bem.
Neste caso, o quanto odiava os serviços dos supermercados do Rio de Janeiro. Inconformado com a baixa qualidade do delivery, decidiu agir.
“Não é possível que ninguém faça isso direito, então eu vou fazer”.
Engenharia reversa centrada no cliente
Se você está se perguntando como se começa um negócio do mais absoluto nada, talvez este case seja um modelo a seguir.
Adrian iniciou o Zipp de forma artesanal, mão na massa mesmo.
Entrou em contato com 30 amigos e passou a fazer as compras. Simples assim. As pessoas davam uma lista do que queriam e pagavam apenas o valor da nota fiscal.
Adrian corria atrás de tudo, sozinho. Organizava pedidos, logística, atendimento ao cliente e, no caminho, ia anotando, calculando e desenhando processos. A cada entrega, a mesma pergunta: “O que esse serviço precisa para ser incrível?”
Fez isso por três meses com o objetivo claro de decupar o cerne do que a operação precisava para ser um sucesso. A meta deste período era colher o maior número de feedbacks possíveis.
“Coletei todos os desejos e me desafiei a montar a engenharia reversa para fazer isso acontecer em escala.
Em 2013, quando ninguém falava em centralidade do cliente, a gente já estava fazendo isso.”
O que os clientes queriam? Preços competitivos, compras organizadas, variedade e a confiança de que algum produto poderia ser trocado sem grandes dificuldades caso a qualidade fosse duvidosa. Ah, entregadores carismáticos eram um plus - mas já, já chegamos lá.
Ao fim dos 3 meses, os amigos imploraram para ele não parar.
O serviço havia se tornado tão bom que foi relativamente fácil buscar investimento anjo.
Assim, o Zipp surgia oficialmente, com 250 mil reais de capital e mais 50 mil em permuta por um sistema. Compraram um carro, alugaram um depósito e começaram a operar.
Adrian com parte do time do Zipp. Foto: acervo pessoal.
Bastidores de uma operação extensiva
O Zipp começou fazendo compras em outros supermercados, mas rapidamente evoluiu para negociar com atacadistas, distribuidores, até chegar diretamente na indústria.
A operação cresceu, atendendo tanto a capital do Rio quanto a região serrana. Operacionalmente competitivos com apenas 1 unidade, o Zipp era o player com a maior área de entrega no estado.
Em poucos anos, já estavam fazendo o que os grandes tentaram, sem sucesso. Concorrentes faziam, em média, 15 minutos para separar pedido; o Zip conseguia em 3,5.
A sacada estava na gestão de estoque: o Zipp só armazenava o que tinha alta rotatividade, garantindo eficiência financeira. Qualquer pedido especial era comprado à parte, minizando riscos e maximizando fluxo de caixa.
No dia a dia, a operação era uma máquina verticalizada. Todo o processo era feito internamente: os produtos eram selecionados à noite e as entregas aconteciam pela manhã.
Era intenso: milhares de caixas pré-separadas de produtos secos, sacolas térmicas em câmaras frias, tudo se encontrando em um sincronismo perfeito. Parceiros de hortifrúti chegavam às 4h com caminhões carregados. Às 5h, 15 caminhões saíam.
Adrian estava em diversas as frentes: cuidava tanto do produto online e offline, quanto da captação financeira e do relacionamento com investidores.
E, claro, sempre obcecado pela experiência. Antes da pandemia, fazia questão de falar com todos os clientes, usando falhas no processo como oportunidade para fidelizar.
Isso inclui histórias divertidas (para o pesadelo da logística), como a de uma cliente que “não foi com a cara da alface”, sem grandes razões aparentes além do baixo carisma vegetal. E lá foi Adrian levar outra, sem questionar.
“No Brasil, o cliente está acostumado a ser maltratado. Aproveitamos cada erro como uma chance valiosa de surpreender”.
O resultado? Um NPS* impressionante, na faixa de 90, e um boca a boca poderoso. O crescimento orgânico era digno de case de revista de negócios: cada cliente trazia em média seis novos.
Tudo era desenhado para surpreender a cada interação. Não era raro que os entregadores aparecessem na internet em elogiosas histórias postadas.
No fim do post, o framework com o Treinamento Mais Rápido do Mundo criado pelo fundador para alcançar este resultado.
O centro de distribuição. Foto: acervo pessoal.
Parando no meio do caminho
À medida que o Zipp crescia, a pressão por captar mais recursos se tornava esmagadora. Ao longo da jornada, a empresa captou alguns milhões de reais. Como foi o histórico:
- 2013: R$300k
- 2015:R$1M, com a entrada de uma grande distribuidora no negócio.
- 2016: R$1,5M
- 2018: R$3M
O ticket médio por cliente era alto, em torno de R$700, mas as margens eram pequenas e o ponto de equilíbrio estava distante. Apesar da eficiência operacional, a queima de caixa era inevitável.
Embora o faturamento médio fosse de R$2,5 milhões mensais, o break-even estava na casa dos R$5 milhões. O Zipp queimava cerca de R$50 mil reais por mês.
Grandes operações físicas demandam captações ambiciosas, na casa de dezenas de milhões.
“O mercado de supermercados movimenta 350 bilhões de reais por ano — é um gigante. Tem mais de 35 players faturando mais de 1 bilhão cada.
Como uma startup se posiciona num setor desse tamanho? Um negócio desse porte tem que ser pensado para girar grandes volumes desde o início.”
A pandemia acelerou este cenário e no final de 2021, o Zipp enfrentava uma cruel ironia: estava prestes a quebrar por estar indo bem demais.
O produto rodava perfeitamente, a base de clientes era sólida e a necessidade de injetar capital era urgente.
Não havia mais como bancar a operação.
Nesta altura, haviam mais sócios na mesa além de um conselho consultivo. A decisão de vender para um player maior foi tomada.
Adrian, então, partiu em busca de um comprador e conseguiu duas boas propostas.
Uma plataforma de delivery que nunca conseguiu construir uma divisão de supermercados.
O distribuidor que havia entrado logo na primeira rodada de captação.
As opções seguiam caminhos distintos: uma envolvia aquisição, absorvendo o breakeven e direcionando a demanda, com a compra efetiva acontecendo após um período. A outra alavancava a operação devido ao tamanho do estoque disponível.
No fim, a decisão ficou nas mãos do conselho e venceu o distribuidor. A escolha recaiu deu-se pela empresa já ser sócia, podendo reverter o fluxo de caixa mais facilmente.
Adrian saía da operação no zero a zero.
Era hora de recomeçar.
(Três anos depois, o negócio fechou definitivamente.)
Os aprendizados
O que fez diferente ao começar seu novo negócio?
Dimensionar o tamanho do projeto em relação ao capital necessário. Não vale a pena apertar os recursos e precisa valer o bom senso: só executar se o orçamento permitir realizar o que é preciso.
O que você fez igual?
Engenharia reversa para construir um produto a partir do sonho do cliente. Entender profundamente o que a pessoa deseja e liderar o desenvolvimento a partir disso. A conexão que você cria com as pessoas é o maior diferencial competitivo que existe e não tem como nenhum concorrente roubar isso.
Além de ter desenhado toda a operação, colocando a mão na massa, Adrian fez mais de 1.000 entregas focado em promover a melhor experiência. Os clientes queriam entregadores que nem ele e veio o desafio: Como treinar em escala?
A solução foi o Treinamento Mais Rápido do Mundo:
Diferencial: O fato de ter 1.000 entregas passava confiança e autoridade. Quando entregadores falavam que não era possível, eles iam juntos buscar a solução.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outras falhas; não as que estão nesta edição:
Não se constrói um negócio bilionário sem captações agressivas. Levantar inicialmente 250 mil quando o negócio pedia 10x mais foi um erro. Para operações intensas, as rodadas precisam ser proporcionais à demanda. Não existe linha de chegada sem capital.
Estratégia de captação pode matar seu negócio. Os sócios seguraram a diluição do equity, o que resultou em menos dinheiro do que o necessário. O crescimento foi travado pela falta de capital, e a expansão ficou mais no papel do que na realidade.
Só trabalhar mais não resolve. Não há atalhos. No fim do dia, a operação só continua rodando com dinheiro, não interessa se você está trabalhando 20h por dia para tentar cobrir um pouco mais do buraco.
Aprenda com seus sócios a fomentar o conflito saudável. Discordar é parte do processo, mas se a confiança não for maior que as diferenças, o desgaste é inevitável porque o conflito escala. Deve vencer a melhor ideia, não algum dos egos da sala.
Rodadas iniciais com potenciais compradores podem te salvar. Coloque para dentro alguém que pode assumir a direção. Ter este plano B pode dar ao negócio garantia de continuidade.
O depois
“O que me conforta e que fiz tudo que eu podia"
Hoje Adrian é realista com até onde você pode ir na raça com uma ideia e não se propõe a fazer “milagres” novamente.
Após a startup, voltou ao mercado como diretor de tecnologia e hoje toca a Innovaction Digital Experiences, que onde desenvolve produtos digitais e MVP-as-a-service para empreendedores e empresas.
“Busco subir dois degraus o nível de digitalização. O que mais tem por aí é negócios geridos em planilha de Excel. Apesar de eficaz não é eficiente.”
Entende que fica com aprendizados valiosos, apesar de uma leve dorzinha de ter visto o Zipp encerrar pouco tempo depois. Mas o sentimento é de missão cumprida:
"Saí que nem um louco e consegui uma proposta nos 45 do segundo tempo. A gente ia quebrar em 15 dias.
Fiz o que tinha que ser feito"
Também é Top Voice no Linkedin, onde fala de tecnologia, IA e inovação. Conecte-se com Adrian aqui.
Obrigada pela generosidade em contar sua história e inspirar outros (as) empreendedores (as).
Tem muita vida após o ‘não chegar lá’, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
Leia a edição #22 aqui.
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🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Por dentro da escola para os Melhores Fundadores do Mundo, a Avra. 🧠 (Matéria aprofundada, em inglês. Detalhe para o tempo de leitura de 53m)
Como será o futuro para quem nasceu hoje, na ótima matéria do MIT Technology Review. (em inglês) 👶🏼
A internet está nos deixando mimados? Conheça o efeito “Oxi, e eu?” 🤔
O poder do humor no marketing do Duolingo; por trás da estratégia da corujinha cheia de personalidade. 🦉
A regra dos 10 minutos usada por Steve Jobs agora é apoiada pela neurociência. ⏰
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→ Esta história foi 90% escrita por inteligência real, não artificial. :)
*Net Promoter Score, é um índice que mede a satisfação de uma base de clientes. Se concentra na pergunta: "Em uma escala de 0 a 10, quão provável é que você recomende a marca?" Notas mais altas indicam uma maior satisfação.
História bem bacana!
Mas um dos primeiros supermercados online foi desenvolvido aqui pela minha empresa (DWK) em 2009 para o cliente MercadoRibeirão - quando tudo ainda era mato. Precisamos até colocar pessoas para captar preços nos mercados, logística, etc.