1 mercado bilionário e 0 clientes
História de uma startup à frente da maturidade digital de seus usuários em potencial
No. 10 — Março, 2024.
O começo
Flávio Steffens é empreendedor, professor, palestrante e pioneiro sobre falar de fracasso no país. Em 2012, trouxe para cá a FailCon - primeira iniciativa global que aborda falhas como ponte de insights e inovação. Nesta edição, o que foi sua startup e os principais aprendizados das vendas não alcançadas. Boa leitura!
Flávio Steffens é pioneiro em falar sobre fracassos no país. Imagem: ZH.
Quando era tudo verdade
Porto Alegre, 2011.
Se você viveu a internet lá por 2006, os blogs estavam começando a surgir. Criadores de conteúdo eram apenas aventureiros de horas vagas navegando pela web, com pouca ou nenhuma ambição de virar um negócio em tempo integral.
Hoje entrando na maioridade, a nomenclatura ‘blogueiro’ representava apenas uma função informativa na época, conectando uma comunidade em torno de um tópico específico.
Há dezoito anos atrás, Flávio já era frequentador assíduo da internet. Blogueiro, falava sobre a rotina de gerente de projetos e métodos ágeis*, assunto que era inexistente por aqui.
Ou seja, um pioneiro.
O afiado espírito comunicador trouxe também a ideia de compartilhar a rotina e desafios de montar uma startup assim que começou a empreender. O digital já era seu ambiente natural.
O negócio apontava para onde poderia faturar mais: o mercado imobiliário e da construção civil mostrava movimentações financeiras bilionárias.
Estamos falando de, até então, o melhor período em 24 anos para o setor**.
Mas voltamos ao que podemos chamar de era “pré-internet” - pelo menos como conhecemos hoje. Deixe de fora da sua imagem mental as mensagens instantâneas, internet rápida no celular, vídeo de dancinhas e um fluxo acelerado de informações. Isso apenas não acontecia.
Whatsapp chegou uns anos depois. Orkut acabara de perder seu auge para o Facebook e as influenciadoras trabalhavam o dia inteiro em outra coisa porque o ofício não dava dinheiro.
As empreiteiras anunciavam apartamentos em classificados de jornais e era mais ou menos assim que o mundo girava.
Pegou a visão? Então bora.
A oportunidade: colocar este mercado na internet.
A ideia: um gerador de sites para as construtoras criarem suas próprias páginas, anunciando prédios, salas comerciais e apartamentos.
Flávio e seus sócios vibravam a cada novo gráfico com os índices aquecidos do mercado. E a imagem era uma só: a tendência dos ganhos com este produto inédito no digital.
A ideia fazia sentido e o timing era bom. A solução replicável e escalável gerava expectativa de muita grana no bolso.
Ficaram um ano trabalhando na solução. E o grande dia do lançamento aconteceu. A coisa foi para a rua.
Design intuitivo, experiência fácil de usar e customizar. Em questão de horas, imobiliárias, construtoras e corretores de imóveis poderiam facilmente digitalizar o catálogo ou montar um site com o mais novo empreendimento.
Agora, divulgar o produto ao mundo custaria uma fração dos anúncios impresso em jornal.
Na hora de dar start no plano comercial:
“Deu absolutamente tudo errado. O mercado não deu a mínima.”
O que fazer quando o ponteiro, literalmente, não saiu do zero?
Parando no meio do caminho
“Me apaixonei cegamente pela ideia”
Na cabeça do empreendedor o cenário era claro: um mercado bilionário, um oceano azul no digital, uma solução simples, ágil e que entrega valor.
E uma crença de que, se ainda não estavam na internet, Flávio traria a solução.
O objetivo inicial era captar 50 clientes em 6 meses de vendas. O plano era pouco ambicioso: apenas a linha pessimista da planilha do Excel.
“Tinha certeza que seria fácil. Quem não conseguiria 50 clientes num mercado deste tamanho?”
Viver e reforçar diariamente suas convicções também provoca uma cegueira mercadológica. Quando questionado sobre como atuaria em um setor desconhecido, Flávio não perdia muito tempo em explicações: sabia que daria certo.
Fiel a essa crença, seguiu o plano comercial acreditando que seria fácil chegar na meta:
Anúncios em sites especializados
Participações em feiras
Reuniões com clientes
Quando a ficha caiu
Embora tendo desenvolvido um empolgante plano de vendas - tudo deu errado. O momento de perceber, nomear e entender que se fracassou é difícil, mas também necessário para sair deste lugar que não leva a nenhum lugar.
A ficha caiu quando Flávio teve uma ótima ideia e a colocou em prática.
Criou uma ação para engajar os 150 estandes e clientes em potenciais de uma das maiores feiras da construção em Porto Alegre.
Fotografou todos os stands. Um a um, clicava equipes, visitantes e locações. Um cartão de visitas dava as coordenadas para baixar gratuitamente os registros.
Nos bastidores, montou um site bonitão e encheu de banners do seu negócio. Era impossível não ver porque, intencionalmente, as propagandas eram muitas. Ao fazer download das imagens, a pessoa era impactada pelo produto da startup.
O site teve 500 acessos e nenhum - nenhum - clique nos banners.
“Tantas pessoas especializadas e nem por acidente elas clicaram.
Aí sim entendi que não iria pra frente. Não conhecia este mercado e não tinha a menor ideia do que eles precisavam.”
Criou-se uma solução perfeita mas que não resolvia um problema latente. Os clientes não queriam e nem precisavam desta solução.
Tentaram pivotar de plano de assinatura para um formato de agência. Empresas contratariam Flávio como provedor de sites. Novamente, zero vendas.
Como pivotar quando você colocou todas as fichas em uma ideia que ninguém queria? Não tinha mais margem de manobra.”
As perdas: um ano de trabalho e R$50 mil das economias da vida
Era hora de parar de tentar.
Nem sempre é timing de mercado
Ao passar por esta história, acredito que ao leitor também ocorra questionar o timing do negócio.
E se tivessem lançado alguns anos depois?
E se os clientes estivessem mais maduros no digital?
Teria dado certo?
“Olhando em retrospecto, não teria dado certo se fosse eu a ter tocado”, afirma categórico.
Entrou apenas para ganhar dinheiro. Não tinha apego a ideia; conexão com as dores do mercado ou identificação com o setor.
“Quando a gente entra apenas por dinheiro, o dinheiro também é a razão da saída. Na primeira dificuldade eu pulei fora”.
Este motivo está também listado na edição anterior da news como uma das principais razões de porque não se deveria abrir um negócio.
É inquietante viver com vários “e se?” e, felizmente, Flávio não tem nenhum. Entende que o projeto foi concebido da maneira errada, no timing errado e foi para o mercado do jeito errado. Apostou tudo e só perdeu tempo e dinheiro.
“Só doi fechar uma empresa quando você é apaixonado por ela.”
Aprendeu a lição e seguiu adiante.
Como virou um porta-voz sobre fracassos
Flávio foi uma das primeiras pessoas a falar abertamente sobre fracassos e suas lições.
“O fracasso é um gap de expectativa. Você tem uma ambição alta e ela não acontece. O tamanho desse abismo, dessa distância, é a gente que cria.”
Já no ano seguinte fez um podcast sobre o tema - na época ainda baixava-se o arquivo para escutar. Focava em tecnologia e aprendizados em um diálogo aberto, cru, pé no chão. Percebeu que as pessoas gostavam de trocar sobre; pelo menos em um ambiente fechado.
Em 2012, assistindo um evento de inovação, viu pela primeira vez startups falando abertamente sobre fracassos. Atônito, descobria a FailCon - evento mundial onde as pessoas contam suas experiências que deram errado. Flávio e um amigo entraram em contato com a idealizadora e trouxeram para o país. Foram a segunda iniciativa fora dos EUA.
Se hoje isso ainda é um tabu, o receio na época era ainda maior. Era comum fechar com palestrantes que na hora não falavam sobre fracassos; mas sim uns pequenos erros que pouco agregavam.
“Ninguém queria falar de fracasso. Era muito dificil trazer pessoas porque elas “tinham uma reputação a zelar.”
O medo que o tópico desperta sempre foi grande.
Quando seu parceiro,que também tocava a FailCon, foi chamado para o programa da Fátima Bernardes, a entrevista durou uns 30 segundos. O diretor cortou rapidamente o assunto e mudou de pauta porque achou que ninguém ia gostar do tema.
“Por que falar de negócios que fecharam? Quem se interessaria? E cortaram para fracassos em relacionamentos… uma disfarçada meio que assim”, relembra hoje dando risada.
Ganharam muita visibilidade em jornais, universidades e programas de TV. As palestras de Flávio começaram a ser altamente requisitadas.
Destaco duas coisas importantíssimas que o empreendedor traz, ao mostrar que há muito aprendizado, coragem e inovação que passam por fracassos:
Não mire em quem chegou lá
“A gente olha esses gurus milionários que acordam 5 da manhã e quer copiar a rotina deles. Se espelhar nisso é um erro gigante. A gente precisa ver o que essas pessoas faziam quando estavam começando. Como agiam quando estavam nesta fase que eu estou hoje?”
Sucesso não é replicável, o fracasso é
Sucesso não tem fórmula garantida porque depende muito do contexto específico de cada negócio. E aí que mora o perigo.
Você pega só o passo a passo daquele sucesso e quer aplicar na vida real. Só que isso não existe.
Não é replicável. Já o fracasso sim, é replicável.
Se você repetir todos aqueles erros, você certamente vai fracassar. É infalível.
Os aprendizados
O que você já fez diferente nos negócios seguintes?
Processo exploratório como forma de reduzir o tamanho dos erros e gerar insights mais rápidos. Investiu mais tempo testando, validando e conversando com clientes; do que somente desenvolvendo uma solução.
“Falo na minhas palestras: a experimentação é fundamental. A ciência também funciona assim. Ela não tem a resposta. Vai tateando, testando, coletando fatos e incrementando - até chegar na resposta.”
O que fez ou faria igual?
Gestão de projetos e métodos ageis. O empreendedor sempre criou processos claros de desenvolvimento e entrega e nunca abriu mão disso pelo nível de clareza e organização que geram.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outros erros, não estes:
Lapide sua razão de existir. Se a solução inicial tivesse sido melhor lapidada, poderiam ter entendido as dores do mercado e pivotado mais cedo.
Maturidade de mercado não se força. Os clientes não estavam prontos para uma atuação no digital e este caminho não se encurta facilmente.
Desafie suas crenças constantemente. Se apegar às certezas leva a o clássico viés de confirmação e um visão de túnel. Logo à frente, elas podem não gerar nenhum valor.
Não existe vender como água. Nada está garantindo quando se lança um produto novo, por mais que o mercado seja grande e atraente. Vender é duro e é um processo que começa muito antes do produto estar pronto.
Salto de fé virou uma escada. Subir pequenos degraus após ganhar clareza é infinitamente mais esperto do que se jogar numa empreitada que se mantenha estática aos fatores externos.
O depois
“Vivi um grande fracasso com o primeiro projeto, depois o início de um com uma ideia que deu certo. Isso contribuiu para ajudar uma startup a crescer e virar líder do setor”
Flávio colocou todos os aprendizados em prática e sua iniciativa seguinte deu muito certo, pelo menos por um tempo.
Novamente, foi um dos pioneiros em crowdfunding no país com o Bicharia. ONGs agora tinham uma plataforma robusta para pedir doações e manter seus projetos.
Entendeu as dores, desenvolveu uma solução para um problema real e juntou também o propósito de contribuir com causa animal.
Flavio e sócios do Bicharia. Foto: Divulgação
“Surfamos muito bem a onda que chegava com o crowdfunding e em pouco tempo tivemos muito sucesso.”
Após quase três anos, o negócio perdeu tração e foi encerrado. Flávio então virou sócio e um dos primeiros colaboradores do Vakinha - a maior plataforma de doações da América Latina e seu principal trabalho hoje.
“O sucesso inspira mas é o fracasso que ensina”, frase que não é de sua autoria, mas que pontua nas aulas que dá como professor de MBA da PUCRS.
Conecte-se com Flávio no LinkedIn.
Obrigada por contar sua história e valiosos aprendizados para inspirar outros empreendedores!
Tem vida pós fracasso, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
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🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
O fator mais superestimado no empreendedorismo. Tudo que Bill Aulet, que foi meu professor no MIT, fala, me faz parar e ler 80x. 🤓
Flórida sanciona lei que restringe redes sociais para adolescentes. Imagina se a moda pega? 🤳🏽
Na faixa: lista com diversos cursos gratuitos de IA com Google, Microsoft e mais. 💡
Será que precisamos mesmo de tantas inovações tecnológicas? Uma reflexão bem-vinda sobre outras coisas que também importam. 🥹
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→ Esta história foi 100% escrita por inteligência real, não artificial. :)
*Google Trends aponta 2010 como início do interesse por métodos ágeis. Também neste ano blogs atingiam ápice de buscas.
** Bilhões e bilhões por todo o lado. Nesta matéria só tem bilhões e crescimento de +23%. Veja com seus próprios olhos aqui.