Uma agritech de mapeamento de lavouras de café que não chegou lá
Quando o timing certo não é suficiente para uma boa solução decolar
No. 17 — Julho, 2024.
O começo
Gabriel Dias é empreendedor e consultor de inovação. Durante a faculdade, fundou a QiPixel, uma agritech que solucionava problemas no setor cafeeiro. Nesta edição, os principais aprendizados de construir uma startup com outros seis sócios de primeira viagem. Boa leitura!
O empreendedor e consultor de inovação Gabriel Dias. Foto: Linkedin
Quando era tudo verdade
Lavras, maio de 2019.
Quando você mora no sul de Minas Gerais, há uma grande probabilidade que, em algum momento da vida, sua atuação profissional cruze caminho com os desafios e oportunidades no campo do café.
Quase ⅓ de todo o grão produzido em território nacional vem de lavouras do Sul e Sudoeste do Estado - produção que movimenta mais de R$ 7 bilhões anuais*.
Adicione ao cenário jovens universitários sonhando em se tornar empreendedores. Foi nesse contexto que Gabriel começou a sua jornada e chamou outros seis sócios para fundar a QiPixel.
Os sete jovens iniciavam o sonho de mudar a realidade de pequenos produtores, responsáveis por 80% da safra nacional da época. A empolgação varava noites. Modelar a idea, construir tecnologia de ponta e resolver problemas reais.
Encontraram uma solução inovadora: usando geotecnologia e inteligência artificial, mapeavam a plantação para encontrar falhas e anomalias; conectando a consultores especializados para uma solução rápida. Na época, não havia concorrentes com a mesma proposta e o timing era bom.
Tinham auxílio altamente especializado para crescer rápido: estavam sendo acelerados pelo Avança Café, um programa da EMBRAPA com as Universidades de Lavras e Viçosa para impulsionar a cadeia produtiva da região.
Com isso, uma certeza: iria dar certo. Poderiam, sim, serem milionários.
“Aqui entra o sonho grande de um jovem que queria abrir uma startup, ficar rico e largar a faculdade.
Comecei com essa ilusão.”
Que bastidores levam uma ideia promissora a acabar, pouco tempo depois?
Tirando a QiPixel do papel
Gabriel, estudante de Engenharia de Controle e Automação, descobriu o perfil empreendedor ao longo da faculdade. Não se via numa carreira mais tradicional, com rotinas repetitivas.
Participava ativamente do ecossistema de inovação local e, quando cadastrou a ideia embrionária da QiPixel, foi aprovado em um programa de aceleração de 4 meses.
Chamou amigos com conhecimentos complementares e a startup começou a tomar forma. Três sócios eram de tecnologia, dois do agro e dois de negócios. Mapearam todos os processos de uma safra de café - do planejamento, à plantação, da colheita ao pós-venda e identificaram as principais dores dos produtores.
Os pequenos agricultores não tinham acesso a consultoria especializada para apoiar o manejo das plantações. Mesmo com programas de assistência governamental, havia uma grande carência.
A ausência de um agrônomo dedicado ao cuidado do cafezal resultava em perdas devido a pragas ou à baixa qualidade dos grãos. Para esses profissionais, era mais vantajoso financeiramente trabalhar em grandes fazendas.
Além disso, cafés de altíssima qualidade eram vendidos como grãos normais, resultando em um faturamento reduzido devido à falta de apoio especializado para identificar e posicionar o verdadeiro valor de uma safra.
A solução: IA e geolocalização (antes de serem amplamente difundidos no país)
Um dos sócio, especialista em geoprocessamento, foi peça fundamental para desenhar a solução: usando imagens de satélite com uma boa precisão, rodavam um software que mapeava as plantações.
As informações entravam em uma plataforma digital que fazia a ponte entre pequenos produtores a agrônomos. O produtor poderia contratá-los de forma remota, possibilitando consultorias com valores mais acessíveis.
O diferencial inovador era como o processo todo acontecia. O sistema usava geolocalização e inteligência artificial, mapeando metro a metro da lavoura para detectar falhas e anomalias; notificando com antecipação.
Se o caso precisasse de uma análise mais minuciosa, era só subir imagens da folha ou fruto para o especialista diagnosticar e sugerir melhorias.
Como parte do programa de aceleração, recebiam mentorias especializadas para estruturar áreas da empresa e em pouco tempo tinham clientes para validar o MVP. Ter dinheiro entrando é uma referência importante para um negócio ainda emergente.
Ao fim daquele ciclo, ficaram em segundo lugar e a premiação em dinheiro subiu ainda mais os ânimos. Parecia que tudo ia funcionar.
“Vamos conseguir. O sucesso está nas nossas mãos”, pensavam.
O time da QiPixel em ação, em uma plantação de café. Imagem: acervo pessoal.
Parando no meio do caminho
“A montanha-russa que é empreender começou a descer quando acabamos o programa de aceleração”
Com o fim do programa, encerrou-se também o apoio estratégico de mentores e professores. Para Gabriel foi fácil constatar que a evolução estacionou e os problemas começaram a aparecer.
A falta de experiência prévia começou a pesar, criando um geral sentimento de dúvida. O time entendeu o quanto é difícil equilibrar os altos e baixos da realidade empreendedora.
“Do nada, era a gente pela gente.
Foi natural surgir alguns questionamentos, como: Onde ir? O que buscar?
O que fazer da vida?”
Todos os sete sócios eram empreendedores de primeira viagem e estavam prestes a se formar na faculdade. A realidade trazia elementos tão desconhecidos que alguns mudaram de rota logo em seguida. O custo de oportunidade em fazer carreira no corporativo, por exemplo, também entrou na conta.
Este timing precipitou decisões importantes do que seria o próximo passo. De uma mesa cheia nas reuniões de trabalho virando noites em claro, para cadeiras cada vez mais vazias a cada dia.
Outro aspecto que influenciou foi o fato de nenhum dos fundadores dedicar-se integralmente ao negócio. Tinham outros empregos para equilibrar as finanças ou compromissos acadêmicos, como mestrado. Alguns dos objetivos da QiPixel ficaram em segundo plano, resultando em uma desaceleração operacional geral.
Por fim, o aquecido mercado de tecnologia em 2019 foi o fator de maior impacto. Os três sócios desenvolvedores receberam propostas "astronômicas e irrecusáveis" e deixaram a startup. Com eles, e de forma abrupta, foi-se o know-how que era o cerne do negócio.
Gabriel se empenhou em contratar desenvolvedores, mas o dinheiro que entrava logo se dissipava nestes salários. Embora a demanda crescesse, a evolução das entregas não acompanhava.
Acreditavam estar chegando no Product Market Fix e precisavam de um software mais robusto. Era urgente ajustar a tecnologia para suportar fazendas maiores e adicionar a detecção de novas anomalias possíveis nas folhas e grãos. Esta complexidade específica dificultava a contratação de profissionais qualificados e, como consequência, não conseguiram satisfazer plenamente novos clientes.
“Queimamos todo o caixa tentando atrair um sócio tech, mas isso não acontecia e a decepção começou a bater.”
Com o caixa zerado, a dificuldade em contratar equipe especializada e a insegurança em continuar tocando a startup como um trabalho paralelo; a decisão de encerrar pareceu inevitável e foi feita de forma harmônica.
Era hora de recomeçar.
Os aprendizados
O que você fez igual quando começou um novo negócio?
Ser um líder acolhedor e transparente. Cultivou proximidade, incentivando a equipe a enfrentar desafios com determinação. Transformou momentos difíceis em oportunidades de aprendizado, criando uma motivação extra para todos.
O que fez diferente?
Escolha de sociedade. Gabriel primeiro trabalhou com as pessoas, conhecendo suas competências e estratégias de negócio, para aí então convidá-las para uma sociedade. Priorizou um alinhamento de visão e perfil, para depois formalizar contratos bem alinhados.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outras falhas; não as que estão nesta edição:
Sete sócios é gente demais para o início de um negócio. O empreendedor foi convidando pessoas que ele acreditava que poderiam contribuir, na tentativa de formar um time dos sonhos. Não tinha conhecimento em termos societários e do impacto na operação .
Know-how da empresa na mão de poucos. O conhecimento técnico estava concentrado, tornando a startup vulnerável quando esses indivíduos deixavam a equipe.
Imaturidade de mercado é perda de potencial. Não buscar ajuda especializada para definir os próximos passos, pode levar à perda de boas oportunidades. Neste caso, concorrentes que surgiram posteriormente se tornaram grandes players do setor e poderiam ser compradores em potencial.
Densidade social pode matar decisões estratégicas. Processo decisório envolvendo tanta gente consome tempo e energia; às vezes mais no gerenciamento de emoções do que em ideias resolutivas.
Perfil empreendedor é fundamental. Sócios ‘somente’ técnicos podem desistir rapidamente, comprometendo o projeto. Precisa ter clareza de empreender apresenta desafios diferentes dos encontrados no mercado de trabalho.
O depois
“A gente achava que ou ia ser o sucesso ou o fracasso da nossa vida”
Após a QiPixel, Gabriel tirou um tempo para refletir sobre sua carreira. Esta primeira experiência tinha sido intensa e extremamente educativa, revelando que empreender não tem garantias iniciais de sucesso ou fracasso. Aprende-se com a jornada.
Impulsionado pelo dinamismo do universo da inovação, algo que sempre buscou, desenvolveu ainda mais habilidades de liderança e gestão. Atuou em consultorias e também conduzindo programas de aceleração de startups. Inclusive, foi convidado para trabalhar no programa Avança Café, do qual havia participado anteriormente.
Um tempo depois, voltou ao empreendedorismo com sua própria consultoria. Primeiro, no Hub de inovação Hubbi e atualmente na Zim Inovação, onde colabora com grandes clientes da região.
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Obrigada pela generosidade em contar sua história e inspirar outros (as) empreendedores (as).
Tem vida pós ‘não chegar lá’, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
(Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :) )
Nati.
Leia a edição #16 aqui.
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