Uma captação de +R$150 milhões
História de uma startup em fase de escala que viu a operação parar rapidamente.
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Tempo de leitura: 9 minutos
No. 25 — Novembro, 2024.
Bem-vindos (as) 297 novos assinantes à edição comemorativa de 1 ano da FailWise! 🎉 Hoje, um case que muitos pedem: o que aconteceu para uma startup que captou centenas de milhões virar case desta news? Por questões de segurança e privacidade, em alguns momentos esta humilde escritora sairá pela tangente.
Mas o que importa - os aprendizados - estão aqui, como sempre.
O começo
M. co-fundou uma startup que captou +R$150 milhões e estava começando a escalar. A mídia acompanhava com empolgação este unicórnio em potencial até que, um tempo depois, as pautam voltaram-se às polêmicas em torno do feito. O que os bastidores ensinam - e ninguém mais te conta - você acompanha a seguir. Boa leitura!
Quando tudo era verdade
Em um certo ano, em alguma cidade deste continente, uma certa startup capta +150 milhões de reais e o mercado arregala os olhos.
Situada em um setor de muitos bilhões, alguém acaba de entrar na briga e vai disputar cada metro quadrado de market share.
Uma captação desse tamanho é uma espécie de benção institucional, uma chancela para circular entre o seleto grupo “das grandes”. Sem contar que vira S.A., cenário que projeta ainda mais segurança, já que alavanca o compliance e reforça o controle.
O quadro fica ainda mais reluzente porque a sociedade ganhava alguns nomes de peso, trazendo mais solidez. Sabe aquela sensação irresistível de estar pegando o crescimento inevitável pela mão? Pois é.
M., como COO, tinha a missão de engrenar o maquinário da escala; que estava pronto. Com a certeza de dever de casa feito, sentia que tudo estava em seu devido lugar.
Até tudo bagunçar novamente.
“Tem muito founder que acha que é sócio, mas na verdade é socionário.
Eu só me liguei depois”.
O que foi que aconteceu?
Moderar os riscos e acreditar na visão: a decisão de co-fundar esta startup
Quando a oportunidade apareceu, ter um sócio já experiente foi o fator decisivo frente às incertezas. Largar um bom cargo para começar algo novo trazia riscos, mas essa parceria oferecia o equilíbrio necessário para M. decidir arriscar.
“Fiz a escolha consciente de confiar e fazer a visão acontecer.”
E assim M. estreava no universo de startups.
Começou do zero; apenas com um power point e uma ideia. E assim, por um problema a ser resolvido e o track-record dos sócios, levantaram $1 milhão em uma rodada inicial com família e amigos. O suficiente para criar o alicerce.
O caminho até captar nunca é rápido…
No retrovisor, anos de muita construção, pivôs estratégicos e uma visão afiada do potencial do negócio. Entre captações que não deram certo e outras rodadas menores, iam buscando fôlego com anjos, família e amigos.
Até que finalmente boas e esperadas notícias chegaram: um baita cliente ajudaria a expandir o produto e isso faria o jogo virar.
Com o o aumento da demanda, buscar um novo aporte era inevitável.
Uma estrutura para captação, um investidor profissional liderando a rodada e uma assessoria para a parte burocrática depois… +R$150 milhões foram levantados. Um marco entre as maiores captações da América Latina no período.
O montante foi dividido em aproximadamente 70% para bancar a operação e 30% alocados em time, produto e vendas. Durante os meses em que a rodada ficou aberta, trabalharam muito para consolidar o produto e esquentar leads. A partir do segundo que teriam mais caixa para operar, a coisa fluiria rapidamente.
Neste momento, vida pessoal e rotina equilibrada tornaram-se secundários para M., por escolha.
Era a hora de focar na escala.
… mas a rota dos gastos aponta o destino
Agora com grana para operar, a tão esperada curva em J aparecia. Tudo começou a evoluir rápido: perfil do cliente, modelos preditivos e decisórios, automações de processo.
As dores normais desta fase também estavam lá, orquestradas pela COO em rápidas iterações:
“A esteira operacional melhorava semana a semana e a gente ia afinando tudo.
Era um negócio sólido, robusto.”
Quatro meses após a captação a startup bateu +R$10 milhões de faturamento/mês. A projeção dos próximos seis era dobrar o valor.
O produto era distribuído em grandes volumes por centenas de parceiros, os números eram sólidos e o mercado assistia à trajetória com atenção. O jogo estava claro: era seguir acelerando.
O time também ganhou uma nova cara, mais do que dobrando de tamanho e chegando a cem pessoas.
Uma linha tênue entre ter liberdade e perder o controle surgia, já que as parcelas do investimento entravam gradualmente. Mas o conforto de ter grandes instituições como sócias reforçava a sensação de segurança.
Parando no meio do caminho
M. não tinha acesso ao caixa. Em alguns meses, improvisava, usando o próprio cartão para girar parte da operação e isso segurava as pontas quando preciso.
Até que, em um mês crítico, nada mais foi pago. Sem alarde, o dinheiro do caixa havia secado.
Em quatro meses, a empresa começou a desmontar. Primeiro, a equipe foi reduzida em 30% e depois passou por um layoff devastador.
O choque por, do nada, aquela ser a nova realidade de um negócio que estava voando, veio acompanhado da sensação de ter que se explicar - para a equipe, investidores e imprensa. A mídia foi inundada com matérias especulando o que estava acontecendo e as polêmicas não paravam.
"Foi tudo muito pesado.
Me senti totalmente surpresa pela proporção que aquilo tomou."
Sem ter lido os sinais a tempo, M. entrou em um ciclo de esgotamento. No auge do caos, dormia apenas duas ou três horas por noite. A pressão e a falta de descanso cobraram o preço e, em um ponto de exaustão, colapsou.
“Passei um mês afastada, literalmente enlouquecida. Não falava coisa com coisa.”
Quando finalmente retornou, o cenário era de terra arrasada. A startup estava irreconhecível, a redução do time havia sido quase total e era preciso muita ponderação para entender como proceder.
Agora, um pouco mais atenta, percebeu que não estava disposta a cobrir todas as lacunas necessárias para uma operação saudável e confiável.
Era hora de recomeçar.
Principais Problemas enfrentados por M.
“Não soube ler os sinais de problemas maiores do que eu achava que eram”
Havia uma estrutura com diferentes níveis em relação ao CNPJ. Para M. isso, na prática, significava que alguns sócios estavam mais expostos que outros.
Mesmo com um compliance no papel, parecia faltar controle. M. não tinha envolvimento direto com as decisões do board e a comunicação com o conselho despertava o sentimento de blindagem, já que a empreendedora dependia totalmente das orientações do sócio.
“Nunca tive uma visão clara do todo, mas queria que desse certo e eu confiava 100%.”
As contratações avançavam sem a governança adequada e parecia haver uma baixa prioridade em frear este inchaço descoordenado. Uma vez, o acordo era contratar uma pessoa e, “do nada”, o time ganhou cinco.
A transparência do caixa e a visão do todo eram embaçadas. Parecia haver uma barreira impenetrável e como a base de sustentação financeira da empresa permanecia invisível para a empreendedora, algumas decisões eram passíveis de pontos cegos.
"Fazia a gestão da empresa, mas não a do caixa. Sócio que assina pela empresa, sem poder real de decisão e com salário… é socionário.
Só entendi que eu era uma depois.”
Em alguns momentos, M. deixava de seguir seus instintos ao confiar demais nos pares. Mas no papel de COO, entende que também escolheu respeitar o ciclo de tentativas e erros.
“Eu realmente acreditava que o crescimento do time acompanharia o do caixa e que elevaríamos o nível.
Você aprende a ceder em alguns conflitos porque entende que o ciclo é assim mesmo. Acerta, erra, e vai amadurecendo a operação.”
Outra questão foi o limite do cartão corporativo. É um problema latente as startups terem limites baixos, sendo comum em alguns momentos contornar com cartões pessoais. Quando tudo aconteceu, os reembolsos viraram fumaça.
Principais Aprendizados
Em hipótese nenhuma aceite ser um socionário, aquele sócio que é mais figurativo do que uma peça ativa na gestão. Se você é responsável pelo todo, mas a visão é só de uma parte; precisa ter clareza dos riscos e se este é o tipo de sociedade que quer fazer parte.
Visão de caixa é commodity. Não tem como operar só na confiança, sem transparência. A falta de um monitoramento claro que viabilize análises reais, traz um risco enorme de descompasso entre as principais decisões.
Quem decide sobre o negócio precisa estar dentro dele. Decisões financeiras e de crescimento precisam ser feitas com base no pulso real da operação; se não estão dissociadas da realidade.
Planejamento financeiro orientado ao crescimento. Crescer rápido é arriscado e sem uma estratégia de caixa sólida, a operação pode perder o controle. Aí um efeito dominó rapidamente aparece.
Um grande player por trás não garante salvação. Uma relevante corporação que era sócia não demonstrou interesse em assumir a operação ou liderar uma fase de transição, ao contrário do que as expectativas poderiam prever.
Milhões na conta não são garantia de sucesso. Ter investidores de peso, um mercado promissor e um produto validado é um começo, mas sem uma estrutura de controle, tudo pode desmoronar.
Decisões e diretrizes de reuniões do board devem ser comunicadas aos sócios. É preciso um fluxo transparente de comunicação a respeito dos rumos que estão sendo discutidos para o negócio. Se não, a chance de duas operações em paralelo aconteceram é real.
Quando você assume uma cota em uma empresa, mesmo que seja 0,1%, você é tão responsável quanto qualquer sócio. Ao entrar em um CNPJ, você assume responsabilidades legais sobre qualquer BO que aparecer e nem todo mundo está preparado para isso.
O depois
Muita coisa aconteceu do momento em que M. retornou da licença saúde até os dias atuais. Mas deixo isso em aberto.
O relevante da história, os aprendizados estão aqui e o objetivo desta news foi cumprido: mostrar falhas, erros e aprendizados de forma educativa para quem está nesta jornada.
Fala-se muito pouco sobre, apesar dos números não mentirem: uma startup tem +80% de chance de fechar em poucos anos. Esta é a realidade e fingir que ela não existe pinta uma figura borrada sobre nosso ecossistema.
Se este conteúdo te ajudar a não cometer pelo menos 1 dos erros listados, minha missão foi cumprida.
Finalizo agradecendo a generosidade da protagonista em compartilhar esta história. Sua motivação é admirável:
“Eu não gostaria que nenhuma pessoa empreendedora, especialmente mulher, passasse pelo que passei, por isso estou começando a contar aos poucos.”
Obrigada por contar parte de sua história e inspirar outras pessoas.
Tem muita vida após o ‘não chegar lá’, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
→ Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente startups de base tecnológica! :)
→ Finalmente tomei coragem de começar a contar as histórias em vídeo e você pode acompanhar no TikTok e Instagram. Vou adorar te ver por lá.
Nati.
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🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Todas as 24 histórias já contadas por aqui, por área de negócios. Neste 1 ano, fiz uma baita curadoria, einh?! 😎
Este episódio do podcast da
sobre lidar com o impacto da tencologia, inovação e pé no chão, olhar para as pessoas e saber descansar. 🔋Como o fundador do Notion está usando IA para impactar milhões de usuários (em inglês). 📖
Só de fala disso: 6x1. Cansaço e insatisfação nesta matéria e aprofundamento sobre impacto da era da exaustão. 💬
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→ Esta história foi 92% escrita por inteligência real, não artificial. :)
* Nomes foram preservados a pedido da entrevistada.