A Dobra deu aula
História de uma marca que criou suas próprias regras e desafiou todo status quo possível
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Tempo de leitura: 12 minutos
No. 29 — Março, 2025.
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O começo
Essa história toca algo familiar, que me é “de casa”. A gaúcha Dobra, além de ser minha conterrânea, foi um dos principais benchmarks que inspirou minha ex-startup o Amor é Simples.
Nascida como um laboratório de novas ideias e um convite para questionar o consumo, mostrava que o mercado poderia – e deveria – querer ser diferente.
Referência de como construir uma marca original, que não só quebrava padrões – inventava novos, a Dobra influenciou muitas trajetórias empreendedoras, não só a minha.
As atividades do e-commerce encerraram em dezembro de 2024. Os produtos podem ter se despedido, mas o espírito da Dobra continua em novas iniciativas; que você acompanha no fim do post.
Quem conversou comigo foi o Guto, um dos sócios, e conto aqui este case com o maior carinho, respeito e reverência possíveis.
Boa leitura!
O tênis da foto foi uma collab entre a Dobra e O Amor é Simples.
Por dentro da Dobra
Era impossível ignorar a Dobra.
Alguma coisa em tanto ineditismo ia te pegar em cheio. E você, como milhares, inevitavelmente viraria fã.
A Dobra não seguiu tendências; criou as suas. Chegou com o pé na porta aliando negócios à narrativa de sua visão de mundo.
Os produtos surpreendentemente funcionais eram feitos em um material leve, resistente e lavável, que parece papel (mas não é!). Sim, caro(a) leitor(a), você leu certo: produtos de “papel, como as famosas carteiras.
A carteira clássica da Dobra. Foto: reprodução.
A comunicação era irreverente, afiada e sem medo de cutucar convenções. A Dobra fazia questão de não se levar tão a sério. E isso por si só já é intrigante o suficiente.
A gestão, radicalmente transparente.E a comunidade de fãs? Engajada de norte a sul do país, ao ponto de virar extensão da marca.
A marca era mais do que produtos. Era um manifesto. Clientes não compravam somente um item – investiam numa ideia de um modelo de negócios mais humano e sustentável; se divertindo ao longo do caminho.
O propósito de Sempre Fazer o Bem era mais do que um slogan – moldava e norteava cada decisão. Em 2016, uma época em que falar sobre impacto social parecia um luxo, provou que era o novo padrão.
A lista é enorme, havia muita coisa inovadora em muitas frentes. Para situar, fiz até uma listinha:
Tudo isso longe do eixo RJ-SP, provando que dá para balançar as estruturas de qualquer lugar desse querido Brasilzão – incluindo de uma cidade de 65 mil habitantes, Montenegro/RS.
Tinham milhares de fãs nas redes sociais, rodavam o país em palestras e eventos e ganharam muita, muita mídia:
Destaque para Sheryl Sandberg, ex-executiva do Facebook e uma das grandes referências em tecnologia:
Confira o post no link.
Para o tênis com imagens do Faustão (a internet foi a loucura quando a esposa dele postou a foto):
A Dobra já matou e fez funeral de sua própria marca no começo de 2024, bem antes de ser modinha (Duolingo, estou olhando para você!).
Deu certo. Muito certo.
Até chegar a hora de mudar de rota.
O que levou a esta decisão?
Como surge uma marca aberta, irreverente e do bem
Em 2013, o rascunho do que seria a Dobra começou a tomar forma nas mãos dos irmãos Guilherme e Augusto Massena e do primo Eduardo Hommerding.
Tudo começou com um projeto acadêmico. Gui cursava Gestão e Inovação em Liderança na Unisinos, em São Leopoldo/RS, e criou o primeiro protótipo para uma das disciplinas: uma carteira feita de Tyvek, um material sintético, dobrável, lavável e importado dos EUA.
O objetivo inicial era só concluir o trabalho acadêmico, mas algo ficou martelando: e se fosse possível imprimir qualquer coisa nesse material?
Durante três anos, a ideia não os deixou dormir direito. Testaram possibilidades, pesquisaram alternativas e mantiveram o sonho vivo. Em 2016, encontraram o que faltava: uma impressora comum, capaz de dar vida às estampas no material.
Investiram modestos R$3.000 e ali, com o perdão do trocadilho, a Dobra finalmente saiu do papel (ou melhor, foi impressa nele).
O que começou com uma única carteira virou um ecossistema, com mais de 25 itens - de porta-cartões a luminárias, pochetes a bolsas. Tudo artesanal, feitos sob demanda e com mão de obra local. Em um mercado que exigia rapidez e escala, apostou no contrário: processos lentos, humanos e sustentáveis.
Os produtos ainda podem ser conferidos no site:
Fazer é melhor do que dizer
Desde o início, Guto e seus sócios acreditaram que o sucesso de um negócio vai muito além de números. Para eles, faturamento era consequência, não objetivo final. O que também importava era causar um impacto positivo e real na sociedade, deixando o mundo um lugar um pouco melhor.
O propósito de "Sempre Fazer o Bem" foi o coração da Dobra, guiando cada decisão. Mas não bastava dizer, concretizavam seu propósito em ações tangíveis:
A produção era local e artesanal, que recebia até 4x mais do que a média do mercado.
A iniciativa Dobra+1 destinava R$1 de cada produto vendido a causas sociais, totalizando mais de R$100 mil em doações.
Valorizaram artistas, comissionando pelas estampas e incentivando uma economia criativa local.
Um laboratório vivo de experimentação
Desde muito cedo, a Dobra atraia atenção e interesse não só de clientes, mas de empreendedores. Todo mundo queria saber como essa destemida marca fazia acontecer.
A gestão desafiava modelos tradicionais: salários iguais para todos, abertura total dos números financeiros, e um convite para qualquer pessoa copiar seu produto mais famoso, a carteira.
Em 2018, lançaram o curso "Hackeando a Dobra", que desmembrava detalhadamente como tocavam o negócio. Que outro negócio teria a audácia de abrir sua ‘caixa preta’?
Durante a pandemia, transformaram o site em Dobraflix, oferecendo entretenimento e conteúdo educacional gratuitamente. Mais de 30.000 alunos se inscreveram.
Entre 2016 e 2020, a Dobra viveu seu auge:
Vendas e faturamento consistentes, média de R$3MI/ano.
Presente nos maiores eventos de inovação e empreendedorismo do país.
O time chegou a 18 pessoas.
O CEO mais amado, o simpático pug Batman.
Mas nos quatro anos seguintes, os desafios se intensificaram.
O começo do fim
A decisão de encerrar o e-commerce não veio da noite para o dia. Surgiu após um longo período de tentativas de reinvenção.
O primeiro grande choque veio já no início da pandemia. Alguns colaboradores saíram da empresa para se dedicar a outros projetos e o trabalho próximo e colaborativo, uma das forças da cultura da Dobra, sofreu o impacto do remoto.
Logo depois, em 2021, pela primeira vez enfrentando dificuldades financeiras e cortes foram necessários.
Em 2022, a crise passou a ser existencial. Os fundadores olharam para dentro e questionaram: Estamos vivendo do que já fomos ou ainda criando algo novo? Para espíritos inquietos e disruptivos, essa confusão identitária enviava sinais relevantes.
As respostas ficaram mais claras em 2023, quando perderam 198.000 seguidores no Instagram. A conta foi fechada devido a um problema de direitos autorais.
O impacto foi imensurável.
A Dobra sempre construiu sua comunidade de forma orgânica, e de repente, seu principal canal de conexão e aquisição desapareceu.
As vendas caíram drasticamente e para segurar o caixa, fizeram promoção atrás de promoção. Incomodados com o contexto, o fim de 2023 parecia ser o momento de encerrar tudo.
“Estacionamos no passado, reciclando as coisas legais que a gente fez. Seria essa a hora de rever tudo?”.
A decisão foi de tentar mais um ano.
Em 2024, lançaram um novo posicionamento, “Existimos para quebrar nossas próprias regras” ; resgatando a essência de sempre desafiar padrões. Sete novos produtos entraram no catálogo.
A recepção foi excelente: aumento nas vendas, novo público, reconexão com o antigo e visibilidade da mídia.
Mas o sopro de otimismo veio acompanhado de novos problemas. Antes, a fabricação envolvia somente dobrar e costurar; agora, os produtos tinham mais camadas, alças, zíperes e moldes complexos.
A cadeia produtiva ficou mais difícil, o B2B tornou-se inviável (era um braço forte desde 2018), e escalar com qualidade virou um desafio impossível sem abdicar da essência. Insistir significaria trair os valores que sempre sustentaram a marca.
Também nunca tiveram a mesma performance de mídia como tinham no perfil antigo. Captar novos clientes estava ficando caro demais.
No fim do ano, tomaram a decisão que requer mais coragem do que certeza: encerrar enquanto ainda havia um enorme saldo de impacto positivo.
Queriam ‘fechar do jeito certo’. Sem esconder e sem romantizar; com a transparência de sempre; honrando o legado. Os colaboradores, justamente pela política de abrir todos os números, sabiam do cenário e não foi uma surpresa.
Um comunicado no site da empresa e o aviso nas redes também contavam sobre a decisão. Os fãs ficaram desolados e os comentários foram os mais carinhosos e emocionados possíveis.
Em dezembro de 2024, 441.898 produtos depois, a última unidade da carteira foi vendida.
Era hora de recomeçar.
Os aprendizados
O que você faria igual ao começar um novo negócio?
Definir desde o início o que se acredita, tanto como pessoa quanto como empresa. Transformar esses valores em algo concreto, tangível, porque as pessoas se conectam com o que é verdadeiro.
E o que faria diferente?
“Difícil dizer, nunca somos as mesmas pessoas lá na frente. O que acertei ou errei ontem não determina o que faria hoje. O contexto muda, as decisões também. Talvez essa seja a única certeza: decidimos com as informações que temos agora e torcemos para que tudo faça sentido mais adiante”.
5 Erros ou conselhos
para aplicar em sua estratégia (ou sua vida):
Transparência fortalece conexões reais.
Desde o começo, a Dobra abriu seus bastidores para clientes e colaboradores, criando uma conexão forte e genuína. Isso fez a diferença, especialmente nos momentos difíceis.Autogestão funciona (até certo ponto).
Por muito tempo acreditaram que a gestão horizontal e a autonomia resolveriam tudo. Mas crescer exige processos, e isso precisou ser corrigido ao longo da jornada.Não dependa de apenas um canal ou plataforma.
Depositar a maior parte do alcance em um único canal pode ser arriscado demais. Se este meio de conexão desaparecer do dia pra noite, ter alternativas é vital para proteger seu negócio.Crescer traz complexidade e saber até onde ir é estratégico.
Ao escalar com novos produtos, o crescimento tornou o que antes era simples em algo difícil de gerenciar.Fechar um negócio não é fracasso.
Às vezes, encerrar é exatamente o que preserva o legado. E, quando feito da forma certa, pode ser o começo de algo ainda maior.
O depois
"A gente tentou tudo o que dava, e não ficamos com nenhum arrependimento"
Sobra um legado muito maior do que os produtos ou o CNPJ. O fim como e-commerce não significa o fim do espírito Dobra. Ainda tem muita gente querendo descobrir este jeito Dobra de fazer negócios.
O Dobraflix, aquele projeto lançado durante a pandemia, abrindo os bastidores da marca, virou uma trilha única de conhecimento, que evoluiu para a Cultura Dobra - um braço de educação e serviços que já vinha sendo tocado em paralelo nos últimos anos.
Agora, é exatamente esse caminho os sócios decidiram seguir na DobraLabs: usando design e tecnologia para provar que negócios humanos, disruptivos e autênticos são sempre os mais inovadores. Acompanhe aqui para não perder os próximos capítulos.
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Obrigada pela generosidade em contar sua história e inspirar outros (as) empreendedores (as).
→ Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente startups de base tecnológica! :)
→ Se você anda com problemas de retenção e seus clientes estão insatisfeitos, me dá um alô que quero abrir agenda de consultoria exatamente neste gargalo.
Até a próxima,
Nati.
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Saudades