Builder.ai: unicórnio de IA 'desaparece' da noite para o dia
De US$ 1 bilhão à insolvência: surpresa ou destino anunciado?
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Tempo de leitura: 6 minutos
No. 34 — Maio, 2025.
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1 empresa, 2 erros, 3 aprendizados:
Você já se perguntou quanto tempo leva para um unicórnio virar pó?
Após captar US$ 450 milhões, esta startup inglesa despontava na corrida da IA. Mas ontem, a Builder.ai, avaliada em mais de US$ 1 bilhão, anunciou insolvência e deixa cerca de 1.500 colaboradores com destino incerto.
O caso é emblemático não só pelo tamanho da queda, mas pelo timing que nos faz questionar: em tempos de FOMO, infinitas possibilidades e lançamentos que não param de chegar, será que já estamos vivendo uma bolha de IA?
O começo
A Builder.ai nasceu em 2016 com uma proposta irresistível: tornar o desenvolvimento de software tão fácil quanto pedir uma pizza. Dois engenheiros, frustrados após serem decepcionados por desenvolvedores em um projeto de app de compartilhamento de fotos, tiveram o estalo:
"Se nós, que entendemos de tecnologia, estamos sofrendo, imagina o resto do mundo?"
A solução?
Uma plataforma que usaria inteligência artificial para montar aplicativos a partir de componentes pré-fabricados, como peças de LEGO.
O slogan não poderia ser mais direto: "We make building an app so easy, anyone can do it" (Tornamos a criação de um aplicativo tão fácil que qualquer um pode fazer).
O crescimento foi meteórico:
2021 - reconhecidos como "Visionários" do setor.
2022 - captaram US$ 100 milhões.
2023 - mais US$ 250 milhões em uma rodada Série D, com apoio da Microsoft, atingindo o status de unicórnio.
Ontem, 20 de maio de 2025, um comunicado oficial chocou o ecossistema:
“Hoje, a Engineer.ai Corporation, conhecida como Builder.ai, iniciará um processo de insolvência e nomeará um administrador para gerir os negócios da empresa.
Apesar dos incansáveis esforços de nossa equipe e de termos explorado todas as opções possíveis, não foi possível recuperar o negócio de desafios históricos e de decisões passadas que sobrecarregaram significativamente nossa posição financeira.
Nossa prioridade imediata é apoiar nossos colaboradores, clientes e parceiros neste momento difícil. Trabalharemos em estreita colaboração com os administradores nomeados para garantir um processo organizado e explorar todas as opções disponíveis para partes do negócio, quando possível.
Gostaríamos de estender nossa sincera gratidão aos nossos colaboradores pelo compromisso e dedicação, aos nossos clientes pela fidelidade e aos nossos parceiros e fornecedores pelo apoio ao longo dos anos.”
Traduzindo do corporativês: “quebramos”.
Ué, cadê a promissora startup que estava aqui?
Linha do Tempo dos Problemas da Builder.ai:
Agosto de 2019
The Wall Street Journal publica “AI startup boom raises questions of exaggerated tech savvy”, questionando o real uso de IA pela Builder.ai e expondo o grande trabalho manual por trás do marketing “AI-powered”.
Março de 2024
A empresa reduz em 25% sua meta de receita e contrata auditores externos para revisar números — um claro sinal de alerta para investidores.
Março de 2025
Fundador e autoproclamado "Chief wizard" Sachin Dev Duggal deixa o comando em meio a muitos problemas: alto turnover dos colaboradores e reclamações dos clientes sobre qualidade dos serviços.
Mas o grave mesmo é a acusação de lavagem de dinheiro através de operações na Índia (processo em andamento).
Manpreet Ratia, sócio da Jungle Ventures e investidor da startup, assume como novo CEO, em busca de “correções de rota” em meio à desaceleração financeira.
Chief revenue officer Varghese Cherian também renuncia.
Builder levanta US$ 75 milhões em financiamento “de resgate” com investidores existentes, reestruturando sua linha de crédito.
Maio de 2025
Credores cortam o crédito e confiscam US$ 40M da conta. CEO alega que foi pego de surpresa e acordos não foram cumpridos.
Dívidas estimadas em US$ 85M com a Amazon e US$ 30M com Microsoft por serviços de cloud.
Somente US$ 7M em caixa.
Anúncio oficial de insolvência, com o fechamento de mais de 1.500 vagas e suspensão das operações globais.
O Sifted teve acesso a um memorando interno enviado aos investidores e, segundo o site, o CEO "meio que" culpa o colapso às “ações inesperadas e irreversíveis” de seus credores, incluindo o consórcio liderado pela Viola Credit, Atempo e Cadma.
Trechos vazados do memorando afirmam que:
“Durante o financiamento de “resgate” de US$ 75 M em março de 2025, trabalhamos em estreita colaboração com esses credores para reestruturar essa linha. Eles também nos deram reiteradas garantias verbais de apoio ao turnaround.
Lamentavelmente, essas garantias não foram cumpridas.
Na semana passada, os credores alegaram violações técnicas de covenants, apreenderam mais de US$ 40 M de nossas contas e restringiram totalmente nosso acesso a fundos, interrompendo efetivamente nossa capacidade de operar.”
2 erros fatais: quando a IA era mais marketing que produto
Analisando o caso, dois erros foram fatais para a Builder.ai:
Hype de IA vs. motor humano
A empresa se posiciona como uma plataforma revolucionária de desenvolvimento "alimentada por IA", mas uma investigação do Wall Street Journal de 2019 já apontava outra história: dependiam fortemente de engenheiros humanos nos bastidores.
Imagine vender um carro autônomo que, na verdade, tem uma pessoa escondida no porta-malas dirigindo. É mais ou menos isso.
Esta discrepância entre marketing e realidade operacional criou uma estrutura de custos insustentável. Enquanto prometiam produtos altamente eficientes e automatizados, mantinham uma equipe enorme de desenvolvedores humanos codando nos bastidores.
Caixa no vermelho e números maquiados
Ex-funcionários alegaram que a empresa inflou números de vendas em mais de 20% em várias ocasiões.
Ano passado, também reduziu a estimativa de receita em 25%, e contratou auditores para analisar suas finanças - sempre um sinal de alerta. A troca de CEO em fevereiro deste ano também parece ter sido uma tentativa tardia de correção de rota.
O faturamento na casa dos US$ 100 milhões também levanta dúvidas se era real ou não. Este número, somado aos quase meio bilhão de dólares captados, levantam a pergunta: foi só má gestão financeira?
Para contraste, a ‘concorrente’ Lovable captou ‘apenas’ US$ 15M, e em seis meses já bateu US$ 50M de faturamento anual - com menos de 30 colaboradores.
3 aprendizados: lições para não repetir
Alinhamento entre promessa e entrega é inegociável
Startups precisam ser transparentes sobre o que sua tecnologia realmente faz x o que o marketing promete. Criar expectativas irrealistas sobre capacidades de IA ou automação gera uma dívida técnica e operacional que, cedo ou tarde, se torna insustentável.
→ Quando toda sua estrutura de custos está baseada na promessa, o colapso vem - e vem desgovernado.
Crescimento sem controle financeiro é um castelo de cartas
Captar centenas de milhões não substitui uma operação financeiramente saudável e transparente. O básico bem feito, sempre. Inflar números de vendas - ou equipe - e criar projeções irrealistas pode até atrair investimento no curto prazo, mas cria uma bomba-relógio.
O cenário piora com a afirmação do CEO afirma sobre os credores quebrarem “acordos verbais” - o que levanta um alerta real sobre a maturidade da gestão.
Porque confiar o futuro de uma empresa bilionária a promessas informais é tudo, menos profissional. Como uma operação desse porte se apoia em algo que não pode ser documentado, nem cobrado? Soa mais como desculpa do que explicação.
→ O básico bem feito vem antes de tudo, sempre. Governança é importante desde o dia 1. Unicórnios também quebram quando o caixa é ignorado por tempo suficiente.
3. O mercado de IA exige substância para além do discurso
Adicionar "AI-powered" ao pitch não é estratégia de produto, é estratégia de marketing.
O mercado está ficando mais sofisticado na avaliação de propostas baseadas em IA, e tanto investidores quanto clientes estão aprendendo a distinguir entre aplicações reais de IA e simples automações rebatizadas.
→ Construa vantagens competitivas que sustentam na vida real - não uma gambiarra disfarçada de automatização.
O caso da Builder.ai nos relembra que, mesmo - ou especialmente - na era da IA, alguns fundamentos são inegociáveis: transparência radical, disciplina financeira e crescimento sempre alinhado ao caixa.
A grande pergunta é: quantas startups hoje surfam no hype da IA sem ter tecnologia de verdade para manter o voo?
Obrigada por chegar até aqui e acompanhar a Failwise, um projeto que me dá orgulho em escrever.
→ Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente startups de base tecnológica! :)
Até a próxima,
Nati.
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"Inflar números de vendas - ou equipe - e criar projeções irrealistas pode até atrair investimento no curto prazo, mas cria uma bomba-relógio." aqui tu foi mestre! sem transparência, nenhum negócio para em pé.
adorei essa edição - principalmente pq ja presenciei operações de perto que inflam numero de vendas kkkkry