Como um e-commerce morre
História de uma marca premiada e uma loja virtual que viu o faturamento despencar 90%
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Tempo de leitura: 9 minutos
No. 27 — Dezembro, 2024.
FailWise última edição do ano!
Novo (a) por aqui? Falamos sobre negócios promissores, mas que pararam no meio do caminho. Quais os principais erros e aprendizados que podem ajudar outras pessoas? Conteúdo que você só vê aqui!
→ Esta humilde escritora precisa desacelerar. Janeiro e fevereiro terão 1 edição (e não 2), com os melhores insights do nosso primeiro ano de existência. As histórias inéditas - agora também em vídeo e podcast, voltam após esta pausa. Boas festas para você e sua família!
O começo
Stéfani Paranhos é doutora em Empreendedorismo e Inovação pela USP, professora e empreendedora de alma inquieta. Fundou um e-commerce focado em saúde feminina e transformou R$100 em R$2 milhões em apenas dois anos. Porque o faturamento praticamente zerou e os principais aprendizados você acompanha a seguir. Boa leitura!
Stéfani Paranhos fundou a Vibre, Mulher! em 2020 e faturou R$2M em dois anos. Imagem: acervo pessoal.
O que era a Vibre, Mulher!
A Vibre, Mulher! foi uma femtech e marca de bem-estar sexual pioneira no universo feminino.
Seu início não foi planejado. Durante a pandemia, Stéfani encontrou no Instagram um espaço de troca e desabafo sobre seus desafios pessoais. A autenticidade e naturalidade ao tratar temas como terapia, relacionamentos e prazer atraíram um público de mais de trinta mil seguidoras; formando uma comunidade super engajada.
“Falar é terapêutico. Virei uma grande evangelizadora ao discutir prazer feminino.”
Sempre buscou causar impacto e quebrar tabus. Com isso, virou uma autoridade no assunto, a conversa virou movimento e um negócio que faturou R$2 milhões em menos de dois anos.
O que aconteceu para, pouco tempo depois, a receita praticamente desaparecer?
De creator à empreendedora
Em 2020, Stéfani trabalhava em uma consultoria de inovação e criava conteúdo nas horas vagas. A virada veio quando as seguidoras começaram a perguntar sobre os produtos que divulgava e ali enxergou uma oportunidade.
A loja virtual surgiu de forma orgânica, combinado ao espírito empreendedor que sempre esteve lá. Quando criança, brincava de vender para as bonecas; na adolescência, comercializava doces e produtos de beleza na escola.
“Não ia simplesmente indicar alguma loja. Pensei: por que não vendo eu mesma?
Não tinha nada a perder.”
O começo foi modesto: R$100 investidos na compra de vibradores de fornecedores e algumas noites dedicadas a construir o site no Shopify.
E então, boom! Em menos de seis meses, o faturamento mensal já batia os R$30 mil e assim optou por arriscar-se na Vibre em tempo integral.
No início, os produtos eram uma curadoria do que havia no mercado. Mas logo vieram as criações próprias: vibradores, lubrificantes, géis excitantes e higienizadores com a cara da marca.
Por mais de um ano, tocou tudo praticamente sozinha, equilibrando tarefas com alguns alguns freelancers e fornecedores pontuais.
Crescendo com um pouco de caos
Impulsionada pela autenticidade de Stéfani, a marca crescia de forma quase que orgânica, alimentada pela criatividade em explorar narrativas raramente, ou nunca, contadas.
Destaques:
A Vibre foi eleita a melhor marca de bem-estar íntimo do país em 2021.
Primeira vending machine de produtos eróticos que este país já viu, instalada no metrô de São Paulo. Rendeu uma matéria na Vogue.
“Queria causar e criar o caos mesmo.
Isso me trouxe uma audiência que não teria sem grandes investimentos.”
Orgasmos guiados, um podcast que… bem, dá para imaginar. Outro formato inédito.
Coletores menstruais vendidos a preço de custo: uma estratégia que atraía novas clientes e alavancava a venda de outros produtos.
O resultado? Uma audiência fiel e um faturamento que já alcançava R$70 mil mensais. Foi quando Stéfani decidiu profissionalizar ainda mais a operação: contratou uma agência e ampliou o time para cinco pessoas.
Mas o rumo da história começou a mudar. Na tentativa de escalar o negócio, vieram novas complexidades e desafios inesperados.
A Vibre construiu a marca com muito cuidado e criou uma comunidade forte em torno do tema de saúde e prazer feminino. Imagem: acervo pessoal.
Tecnologia para resolver novos problemas
Em 2022, a Vibre prosperava com um faturamento consistente, enquanto Stéfani concluía seu PhD e se tornava a primeira doutora em femtech no Brasil. Seu trabalho acadêmico resultou em um framework inovador, que propunha o uso da tecnologia para enfrentar desafios na saúde feminina*.
Sabendo das oportunidades e problemas do setor, por que não abrir novas frentes?
Foi então que se inscreveu no programa de aceleração da Antler, onde encontrou um sócio experiente em tecnologia. Juntos, deram vida a um spin-off da Vibre: a IARA Saúde.
A meta era ambiciosa: desenvolver o MVP em três meses de aceleração e garantir o investimento necessário para desenvolver o produto.
Uma clínica virtual de olho na escala
A IARA Saúde seria uma evolução de uma vertical da Vibre - atendimentos virtuais.
A proposta era inovadora: usar inteligência artificial para triagens e pré-diagnósticos em consultas ginecológicas e psicológicas, criando uma clínica online capaz de oferecer acolhimento rápido e personalizado.
Enquanto o e-commerce seguia com a equipe da Vibre, Stéfani assumiu a liderança do novo projeto.
Na prática, eram muitos pratos para equilibrar.
Parando no meio do caminho
A Vibre enfrentou um ponto de inflexão quando o e-commerce foi reformulado, dois anos atrás.
A agência parceira vendeu um novo projeto, daqueles de brilhar os olhos. Na proposta, com uma análise minuciosa das "oportunidades perdidas": a indexação do SEO não era a ideal e havia muitos pontos para melhorar a performance.
Confiante, a empreendedora bancou os R$12 mil do novo e-commerce, agora no Woocommerce.
Só que, com a migração para uma nova plataforma, o faturamento despencou 90%. Dos setenta mil mensais, a Vibre não vendia mais de cinco mil.
Stéfani viu a vida parar. Foi um duro golpe.
O fornecedor garantia: era normal, bastava esperar os robôs dos mecanismos de busca encontrarem os produtos. Na prática, o projeto tinha inúmeras falhas, incluindo problemas de pagamento que impedia as clientes de finalizar a compra.
Às pressas, uma nova agência foi contratada para recolocar o site de pé e também foi preciso pegar dinheiro no banco para manter a operação respirando.
O processo levou seis meses e quando as vendas finalmente começaram a se recuperar, as dívidas já estavam sufocando o negócio. A partir disso, o que sucedeu-se foi uma maratona de tentativas: pivotar, iterar, buscar novos formatos.
Primeiro, Stéfani pausou o projeto da IARA Saúde. O modelo já não era mais viável: o desenvolvimento do produto exigia captar investimento e, com o tempo, o sócio decidiu priorizar outros projetos.
Com a audiência construída ao longo dos anos, buscou alternativas para reinventar a Vibre. Lançou um braço de negócios, um programa de Embaixadoras onde a comunidade revendia os produtos da marca, lançou treinamentos, ofereceu consultorias e até tentou atrair novos sócios.
A Vibre nunca voltou ao patamar de faturamento de antes. Com o tempo, a empreendedora entendeu que esgotou recursos criativos, estratégicos e financeiros.
“É um processo aceitar que não dá mais. Estava colocando água em planta morta.”
Era hora de recomeçar.
Os aprendizados
O que você faria igual se fosse começar um novo negócio?
Ser verdadeira e autêntica. Construir uma conexão genuína atraiu pessoas alinhadas com o tema, criando uma comunidade engajada e significativa. Essa abordagem foi o pilar de tudo. Apenas dosaria um pouco a exposição porque também atraiu comentários odiosos que prejudicaram a saúde mental.
O que faria diferente?
Confiaria menos e analisaria mais. Hoje, entende que delegar e decidir com pressa para acelerar processos trouxe problemas. O dia a dia da operação não entregava a mesma qualidade e algumas movimentos estratégicos impactaram profundamente o faturamento.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outras falhas; não as que estão nesta edição:
Delegar sem supervisão é fomentar falhas. Ficar muito tempo focada no spin-off da marca afastou a empreendedora do dia a dia e não acompanhar de perto alguns indicadores trouxe surpresas negativas.
Contrato não é sinônimo de confiança. Algumas parcerias e contratos eram feitos na base da confiança; como a mudança de plataforma de e-commerce. Custou tempo, dinheiro e o começo do fim do negócio.
É preciso velocidade em corrigir erros estratégicos A demora em corrigir problemas críticos, como falhas no sistema de pagamentos e jornada do cliente, aumentou as perdas financeiras a um nível crucial.
Aprendizados não pagam boletos. Há um limite a se considerar entre ‘estou aprendendo sobre meu negócio e realizando um sonho de empreender’ e a aceitação de que nem sempre suas ideias ou planos sejam viáveis financeiramente.
Pegar dinheiro nem sempre é a luz no fim do túnel. Hoje, entende que arriscou demais ao recorrer a empréstimos; arcando com altos custos por mais tempo do que imaginava.
O depois
“Cheguei aonde queria, só que não tive a duração esperada”
O negócio deu certo por 5 anos e Stéfani entende que chegou lá, só que não conseguiu se manter pelo tempo que imaginava. Mas há um imenso orgulho em ter impresso seu jeito destemido e ousado de fazer negócios, impactando milhares de mulheres.
Está recomeçando e buscando novos caminhos. Tem projetos paralelos e entre as novas iniciativas está o Clitorone, um modelo focado no desenvolvimento de mulheres abordando temas como relacionamentos, espiritualidade e networking.
Dessa vez, porém, há uma prioridade clara: estabilidade. Algo que, até então, nunca esteve no topo da lista. Stéfani busca esse equilíbrio para poder revisitar o passado com mais leveza e fechar as cicatrizes que ainda permanecem abertas.
“Me acho uma empreendedora raiz, eu vou até o meu limite e muitas vezes passo dele.
Mas agora quero o oposto: um pouco de paz.”
Por fim, acho importante contar que a conheci com um post sincero e necessário. Este trecho é exatamente o motivo de eu ter criado a FailWise, fomentando diálogos importantes sobre o ‘parar no meio do caminho’, reduzindo o tabu e o estigma:
“Nossa cultura celebra tanto o empreendedor resiliente que eu não queria me apresentar à sociedade como alguém que falhou ou desistiu. Era assim que me via naquela época.”
Não há inovação sem testar, errar, tentar mais uma vez. E que bom que podemos trazer um novo olhar sobre isso.
Conecte-se com a empreendedora no Instagram e Linkedin.
Obrigada pela generosidade em contar sua história e inspirar outros (as) empreendedores (as).
Tem muita vida após o ‘não chegar lá’, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
→ Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente startups de base tecnológica! :)
→ Finalmente tomei coragem de começar a contar as histórias em vídeo e você pode acompanhar no TikTok e Instagram. Vou adorar te ver por lá.
Nati.
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Janeiro e fevereiro: retorspectiva dos principais insights do último ano.
Próximas histórias inéditas em março.
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→ Esta história foi 85% escrita por inteligência real, não artificial. :)
* Proposta de um Framework para Criação de Femtechs no Brasil" na USP. Leia a tese no link.
Mais um excelente texto. Não sou da área e sempre fico na dúvida sobre o termo pivotar. O que seria?