Criando uma categoria (e comprando briga)
História de uma marca pioneira em harmonização de chocolates, que foi da chacota de seus pares a colecionar os principais prêmios do setor.
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Tempo de leitura: 7 minutos
No. 24 — Outubro, 2024.
Bem-vindos (as) 603 novos assinantes! Esta news nunca cresceu tanto em tão pouco tempo! Por aqui você encontra histórias de negócios que não chegaram lá e principais aprendizados para que não cometer os mesmos erros. Quem lê não larga mais, vai por mim.
A FailWise completa 1 ano este mês. 🎉 A próxima edição é comemorativa e vai tazer a maior história já contada aqui, aguarde!
O começo
Mariana Triveloni é empreendedora, estrategista de inovação e fundou a Chocommelier após a epifania de degustar um bombom e ver seu mundo parar. Criou uma categoria única no país: a de harmonização de chocolates. Comprou briga com seus pares, ganhou os prêmios mais importantes e parou no auge. Por quê? Acompanhe na edição de hoje.
Atenção: pode despertar uma leve fome.
A empreendedora Mariana Triveloni. Foto: Instagram.
Quando tudo era verdade
São Paulo, 2019.
“Eu mordi um bombom e meu mundo parou. Fiquei obcecada em fazer com que mais gente sentisse isso.”
Este fato memorável fez com que Mari largasse tudo e criasse a Chocommelier, loja que vendia uma experiência inédita no país: harmonização de chocolates 100% artesanais.
Mari criou um conceito pioneiro ao harmonizar o produto com vinhos, azeites, balsâmicos, chás e cafés. Algo a ser vivenciado através de combinações que ultrapassavam o comum e poderiam ser interpretadas como arte.
A novidade empolgava os consumidores, mas a ideia gerava ceticismo no setor. Como alguém sem formação gastronômica ousa criar uma categoria de negócio até então inexistente?
“Comprei briga com praticamente todos os chocolatiers da cidade.”
Ouviu inúmeras vezes que era impossível, inexistente até em bibliografias. Mas ela foi lá e fez: criou dezenas de combinações inéditas.
“Era incrível conseguir tangibilizar algo que só existia na minha cabeça e ver a pessoa sentir exatamente o que eu queria.
Comida traz muita emoção.”
Anos depois, estava no auge: premiada pela Veja SP como o melhor chocolate, visitada por célebres chocolatiers do mundo todo e colaborando com marcas renomadas.
Tudo isso, sem sequer ter uma fábrica própria.
Quando, enfim, chegou o momento de abrir uma - o que permitiria extrapolar ainda mais o universo de combinações possíveis, o mundo deu outra volta, e o chocolate saía de cena.
O que levou Mari a tomar esta decisão?
Bombons da Chocommelier. Imagem: Instagram
Como alguém cria uma categoria guiada pela emoção
Mari tinha uma carreira sólida e bem-sucedida: aos 24 anos, já liderava uma operação para América Latina em uma gigante global de bens de consumo; sempre com um pé na inovação. Estava no mercado há mais de uma década quando entendeu que não crescia na direção que queria.
Aí veio aquela viagem e aquele bombom.
Era julho de 2013 quando comentou a ideia com o então marido - que achou interessante o “plano para o longo prazo”. Seis meses foi o que Mari levou daquele dia até abrir a loja.
Em janeiro do ano seguinte, a Chocommelier começou a operar de domingo a domingo. O marido virou sócio tocando a área financeira, mas sem participar do dia a dia da operação. Mari comandava todas as decisões.
Sabia de gastronomia? Não.
E do setor de alimentação? Menos ainda.
Era um problema? Nem um pouco.
Sempre foi direta, segura e certeira do que queria fazer. Não estava ali para vender doces, mas para abrir um novo mercado, com foco na experiência.
Criava um novo conceito desafiando as regras “do mercado”, já que era a única loja de chocolates 100% artesanais não franqueada ou comandada por chocolatiers (alguém especialista, que estudou o produto). Ela não era e nem queria ser, para o choque de seus pares.
Mari queria se especializar em harmonização e o chocolate foi o meio escolhido para isso. Simples assim.
Ninguém entendia muito bem o que ela estava tentando fazer, mas isso não importava.
“Eu era motivo de piada por não ter uma expertise.
Mas eu só queria que as pessoas tivessem a sensação que tive. Sabia o que queria construir e simplesmente fui fazer”.
O resultado?
Desenvolveu uma metodologia própria, mapeando os sete atributos sensoriais do chocolate e estudando combinações possíveis. Com o apoio de um sommelier, mergulhou em associações que iam além do óbvio e criou mais de 30 harmonizações exclusivas*.
Para Mari, o “chocolate perfeito” era uma combinação precisa entre textura e camadas de sabor. Quando questionada porque fazia tudo isso sem nem produzir a matéria-prima, a resposta era clara: primeiro queria validariar o modelo e, para isso, comprar dos melhores produtores já bastava.
O setor continuava cético.
“Eu era uma chacota no mundo do chocolate...
De repente ganhei prêmio da Veja SP e top 3 do Estadão ano após ano.”
Uma disrupção no mundo gastronômico estava acontecendo.
A decisão de abrir uma fábrica de chocolate
Após figurar entre os melhores ovos de páscoa do ano, uma pequena afronta: a fornecedora do chocolate postou uma provocação; algo como “se você quiser o original, a gente é quem faz”.
Não produzir nunca foi um problema para Mari, que operava em outra categoria. Mas aquela frase foi o impulso que faltava.
Abrir a própria fábrica, após um certo cansaço das polêmicas sobre seu sucesso, pode até parecer impulsivo; mas o racional sempre esteve ali, bem estruturado. A crítica só “incomodou e fez efeito” porque a confiança da ação necessária e um contexto sólido estavam lá.
Após três anos, o modelo de negócio já havia sido validado. Agora fazia sentido dar um passo rumo à escala.
Assim, a fábrica foi montada em cima da loja, o que acelerou as criações. Reduziu o custo do produto pela metade, diminuiu o tempo de negociação com fornecedores e proporcionou mais autonomia e controle de qualidade.
Também contratou uma chocolatier e juntas formaram uma dupla poderosa.
“Eu sabia exatamente o que queria: qual textura, primeiro, segundo e terceiro sabor, e ela alcançava com uma precisão absurda. Era incrível.”
A ideia era ousar ainda mais.
Detalhes da loja. Fonte: Instagram.
Parando no meio do caminho
Por que alguém pararia no “auge”?
Antes, um pouco do contexto do negócio. Com um investimento de aproximadamente R$300 mil, a loja foi montada ao lado do metro Fradique Coutinho, em Pinheiros/SP, com 32 lugares e cada detalhe planejado para uma experiência extraordinária.
A operação era enxuta: duas pessoas na fábrica e quatro na loja. O negócio foi crescendo ao longo dos anos e no último, em 2019, o faturamento médio era de R$50 mil mensais. Para chegar no break-even, era preciso faturar entre R$30-35 mil.
Na prática, a loja se pagava, mas os números não eram tão satisfatórios. A Chocommelier vendia de 5 a 7 mil bombons por mês. Para o negócio poder crescer, era preciso vender de 20 a 25 mil, o equivalente a três lojas.
Mas, naquele momento, esse era apenas um detalhe.
Mari e o marido e sócio decidiram se divorciar (matrimonialmente) e essa mudança também alterava a situação financeira da empreendedora.
“Nunca tive o mesmo pró-labore que ganhava quando era executiva.
Porque eu estava vivendo o que me propus a construir, a conta do presente fechava. Mas a do futuro não.”
Agora, era preciso adicionar novos ingredientes nesse contexto: a Chocommelier só poderia crescer com investimento ou franquia.
Quando percebeu a inevitabilidade de olhar sua criação como um negócio - e não mais um sonho - viu que não estava disposta. O fim do casamento, que também funcionava como uma rede de proteção, fez com que se questionasse ainda mais.
Aquela energia criadora que fez tudo acontecer do zero, com uma clareza absurda, já não estava lá.
Cogitou vender e teve três propostas de compra, mas no fim recusou todas.
Entendeu que não queria alguém ditando o que deveria ser feito, nem franquias que não garantissem a mesma obsessão pela excelência. O core da empresa sempre foi promover a melhor experiência e Mari nunca acreditou que outras pessoas poderiam entregá-la da mesma forma.
Ao fim, não estava disposta a renunciar algumas convicções para dar o próximo passo.
“Pensando em negócio, poderia ter aberto mão de alguns princípios.
Mas eu ainda via tudo como um sonho.”
Desapegada, entendeu que já tinha provado para ela mesma que poderia ter e construir outros sonhos. Aquilo já não combinava mais.
Era hora de recomeçar.
Os aprendizados
O que você fez diferente ao começar seu novo negócio?
Mentalidade de teste. Tudo é constantemente testado: novos canais, métodos e ideias. Criar uma estratégia de experimentação, medir, ajustar e refinar o que está gerando impacto. Essa prática trouxe inovação e a manteve atenta às oportunidades de crescimento que surgiam em cada tentativa.
O que fez igual?
Focar em desenvolver pessoas. Garantir que o time se desenvolvesse de forma contínua. Engajar e ensinar são parte fixa do processo, já que são formas poderosas de motivar e manter a equipe em sintonia com a visão.
5 Erros ou conselhos
que daria para você hoje ou para quem quer cometer outras falhas; não as que estão nesta edição:
Ter um sócio para duplar. É importante ser questionada e poder destrinchar decisões para assim entender se são coesas, principalmente as financeiras. Se tivesse sido mais questionada, teria freado algumas iniciativas.
O core do negócio é sempre o dinheiro. O olhar nas finanças tem que ser constante para entender se as decisões de negócio condizem e suportam a realidade do caixa.
O primeiro projeto não precisa ser enorme. A loja já iniciou com 32 lugares e algo um pouco menos ambicioso poderia ter economizado recursos que seriam alocados em outras frentes.
Negócio x sonho. São coisas praticamente contraditórias e não há idealização sem racionalidade que seja viável. A paixão pelo sonho deve ser temperada com uma visão prática que considere a viabilidade futura da iniciativa.
Marketing não é algo esporádico. Ficar mergulhada na operação e não ter uma estratégia constante para levar o diferencial da marca para mais pessoas foi uma oportunidade perdida.
O depois
“A qualidade, a emoção, a precisão do que consegui criar me deixaram ainda mais destemida”
A loja foi encerrada em fevereiro de 2020, o que se revelou uma decisão ainda mais acertada se considerarmos o que o mundo enfrentou logo em seguida.
Mari voltou ao mercado de trabalho dois dias depois e conta que encarou o processo do luto durante os seis meses da decisão a decisão ao fechamento da loja.
Hoje é co-founder da Avantt.i, uma startup que é um SaaS de gestão de inovação para grandes empresas, focando em open innovation, capacitação de produtos e melhoria contínua.
Também enfrenta uma doce ironia: não queria mais empreender e nem trabalhar com alimentação até provar um gelato artesanal tão cremoso e ver o filme passando novamente: “as pessoas precisam provar isso”. Assim, participa ativamente da criação da Velvet Gelato.
Conecte-se com Mariana no LinkedIn.
Obrigada pela generosidade em contar sua história e inspirar outros (as) empreendedores (as).
Tem muita vida após o ‘não chegar lá’, o problema é o processo. Espero que esta edição tenha inspirado um pouco.
Até a próxima história!
→ Sigo em busca de novos casos para contar. Me indiquem, principalmente negócios de mulheres e/ou startups de base tecnológica! :)
→ Finalmente tomei coragem de começar a contar as histórias em vídeo e você pode acompanhar no TikTok e Instagram. Vou adorar te ver por lá.
Nati.
Leia a edição #23 aqui.
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🔗 O que andei lendo e que pode inspirar você e seu negócio:
Eu pedi ajuda durante uma baita crise e recebi este texto maravilhoso sobre Síndrome do Impostor, de
. 🪞O que as crianças têm a nos dizer sobre o mundo atual? O Mundo Que eu Sei é um bonito projeto que busca descobrir o que elas pensam e sentem. 🧒🏽
“Quais temas indiscutíveis discutiríamos se decidíssemos discutir nossos indiscutíveis?”, relfexões sobre lideranças, o que não é dito e impacto de regras tácitas. 🗣️
Na prática, IA não está gerando tanto valor assim para negócios, ROI vem baixando e maior desafio ainda é gerenciar dados. (pesquisa em inglês) 📊
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→ Esta história foi 95% escrita por inteligência real, não artificial. :)
*Perguntei para Mari se ela tentou fazer este conhecimento virar bibliografia e chegar a mais pessoas. Ela tentou abordar entidades da classe, mas não teve abertura.
(nota desta humilde escritora de newsletter: que pena!)